sábado, 22 de agosto de 2009

Dystopia Curitibana

"Eu prefiro a cidade grande: sórdida, suja, aleijada."
- Raymond Chandler


Gosto de estar num ônibus. Mas somente quando o destino é desconhecido e a embriaguez é letal, sem saber o que fazer. A vontade confusa e um apetite mórbido pela destruição nesta grande lata amarela, prateada, monocromática e ilusória. Sento num banco e me deixo levar. Faço do ônibus meu cárcere ambulante. Quando a mente se encontra tão inchada quanto seus pés, as rodas serão seus pés. Ouve! Ouve os becos escuros sangrarem pelo asfalto! As nuvens de fumaça trazem a escuridão e asfixiam. São tantas paisagens para contemplar. O caminho para a casa de um amigo. Mas hoje não preciso de amizade. Só preciso estar aqui, sob as melancólicas luzes no interior do veículo. Quantos prédios, tantas estruturas. Muitos carros, são muitos carros. Perseguindo uns aos outros pelas sórdidas boulevards do desespero. Quadra por quadra. Um inferno de luzes: postes, neons, placas, sinaleiros, faróis e fogo. Desta razoável altura, observo os vermes a rastejar:
O bandido, o guarda, a puta, o trabalhador, o presidiário, o imigrante, o mendigo, o travesti, o traficante, o parafílico, o religioso, o pagão, as grávidas, cafetões. Motoristas bêbados, pedestres dopados, agentes da obliteração, assassinos sedentos, ébrios espirituais, jogadores, lixeiros, viciados, juristas, ativistas, esportistas, artistas, fascistas! Punks, anarquistas, ricaços, doentes, loucos, niilistas, eclesiastas e cadáveres.
O que um dia foi nomeado marginalidade habita todas as ruas da cidade. Todos estes poetas perdidos da volúpia rastejam - pestes que são - pelas alcoólicas vias sem fim , as austeras e mijadas calçadas, os paradisíacos esgotos do progresso humano! O palco se move! A máquina humana do caos!



sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Controle

"To die unsung would really bring you down
Although wet eyes would never suit you
Walk through no archetypal suicide to
Die young is far too boring these days"
- Page Hamilton (Helmet)



Uma vez eu achei que possuía controle. Sobre minha vida, ao menos. Sobre um jogo qualquer. Sobre um animal, uma pessoa. Não se tem controle. Esta também é uma trágica construção da retorcida arquitetura mental. Essa é a verdade. Sobre sua mente, se tem controle? Para nós, não. Apesar de unos, temos fissuras profundas em nossa massa sã. A mente é Caos. Imaginação pura, delírio, perdidos entre os disformes cadáveres metálicos de razão. A liberdade é um mero ideal. Só se pode tê-la se renunciá-la? Alguns poucos, estes arcanos junkies da Destruição podem até conseguir. Mas nunca terão Controle sobre isso. Muito menos estes filhos da puta do Universo que emitem a falácia áspera da sanidade como dardos assassinos. Entorpecendo as crianças de Loki e enfiando-lhes nos casulos profanos de Ordem. Nunca permanecerão lá muito tempo. Quando o fazem, vão até o fim. Implodem, se partem em muitos. Ervas daninhas do desespero. E a mente agora está estilhaçada. E pedaço por pedaço, tentam aniquilar uns aos outros. Cortar cada qual os pulsos inexistentes do próximo. A auto-destruição: salvação pelo fogo. Liberdade, Fim, objetivo concretizado através da morte e forjado na Dor. Se queremos controle? Loucura, loucura!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Vaga preferencial para deficientes físicos.


Hoje passei por um aleijado numa cadeira de rodas. Quase que imediatamente, toda uma cena aconteceu na minha mente: eu abordava o homem e perguntava se queria se vingar, se queria fazer justiça. Você é desgraçado e sabe disso, por que não aproveita agora mesmo para se vingar do universo. Te ofereço minhas pernas, agora. Venha comigo, há um punhado de tábuas jogadas neste canto. Pegue uma, eu me deitarei na calçada e você pode me moer os joelhos com elas. Se preferir, fico de pé e você dá um golpe obliterante em minha lombar? Assim não faz tanta sujeira. Estará satisfeito assim? Reconhecerá que também tens o poder de afetar deus? Você PODE se vingar, só depende de oportunidade. Sorte ou azar. Caos. É Justo. Sua desgraça foi mero advento de um sistema randômico de intrínsecas cadeias de efeito e consequência na interação humana. Sem falar das tocantes e trágicas catástrofes naturais, como o pobre homem que foi acampar e acabou por ser esmagado por uma grande árvore que tombava morta. Comoção nacional. Também um outro pensamento me veio à mente: talvez todo tipo de abuso a aleijados seja puro medo. O medo traduzido em desprezo pelo desespero de se tornar um aleijado! Oh, que desgraça! Prefere estar morto do que aleijado. Ama mais um cadáver do que um humano incompleto. É realmente um bicho daninho e cruel, este homem. Não, não é. É uma simples vítima de seus impulsos. Afinal, pode contemplar com facilidade a dúvida aplicada à naturalidade da integração social abrupta destes ajeidados na sociedade. Quando um búfalo nasce aleijado ou de qualquer jeito ou se torna um por fatalidade do destino, ele é naturalmente deixado para trás e perece sob as garras dos predadores. O predador, por outro lado, não odeia o aleijado. Afinal, ele é seu delicioso alimento mais oportuno. Ele dissemina o medo entre os cordeiros que se encontram inteiros, acabando com a estima pelo aleijado e transformando o ódio primordial em uma pena falsa e auto viciante. O aleijado quebra o status quo do paradigma cotidiano das pessoas. Ele choca, tem uma presença aterradora sobre as mentes dos transeuntes que precipitam-se nas ruas. Existem também os parafílicos e sádicos que sofrem a "patologia" que é a obsessão por deficientes ou masoquismo sórdido e satisfação em se destruir fisicamente sem morrer. O aleijado mostra ao uno que seus membros tem valor, validade. Mas o ódio é gratuito e imperecível, além de maleável.

"Faz uma trepanação no cérebro, Puxa, corta, rasga e aperta. O teu sexo, o teu sexo. Faz um peeling, põe um marca-passo, Se mutila todo e fica vesgo, Introduz um córneo na tua testa E põe um parafuso na cabeça."
- Rogério Skylab

Physical


Chove. E na luz débil do meu quarto eu me contemplo: uma complexão pálida e tísica. Já não pertenço a este lugar. Não tenho mais uma ligação verdadeira com a humanidade. Escrevo sob o peso de um cataclísmico dilema: a minha destruição, ou a do Universo? Trata-se de vontade. Tudo tem sua única significação legítima na vontade. Por vez, ainda não tenho certeza. Mas tal como a precipitação lá fora, indiferente e onipotente, minha existência também se dá. Estou fora de mim.

"Era como se eu fosse maior do que o que sou - como se estivesse todo dentro de algo mais pequeno do que eu - dentro e fora em simultâneo, porque ao mesmo tempo que cabia lá dentro era maior do que aquilo em que cabia - uma espécie de ilusão física - de anulação do volume - ou de inibição do impossível - uma abstracção indizível...
Why can't you just get physical like a human?"
- Adolfo Luxúria Canibal


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O Verão do Amor e o Outono de Destroços

15 a 18 de agosto de 1969 - 17 de agosto de 2009 (40 anos de Woodstock)


A geração do amor. Hippies, ácido, rock, liberdade. Há 40 anos o festival de música Woodstock, planejado para ser um show com os mais notórios músicos de rock n' roll ativos na época, se tornou uma manifestação social e ontológica. Os Estados Unidos não poderiam ser um cenário melhor para a gênese dessa contracultura no hoje sagrado local, a "Haight-Ashbury" de San Francisco, Califórnia. Foi este movimento o pioneiro em mostrar a podridão do sonho americano no século XX? A terra da oportunidade já não brilhava tanto há mais de uma década quando o Woodstock aconteceu. A Beat Generation: um punhado de vagabundos iluminados, loucos, drogados, sociopatas, jovens e intelectuais. Estas poucas mentes, ao se reunirem sob um estandarte invisível de originalidade em meio ao ambiente gorduroso, hipócrita e ilusório do esplendor que era o american way of life. Como todo bom arcano, estes homens destemidos tomaram a solução profana e venenosa da verdade para nos expôr em retalhos a realidade que não mais se podia fragmentar. O mórbido espectro de homens trabalhadores, de família, empreendedores, sempre sorridentes, sempre cômodos, aceitando a realidade como um establishment resoluto! Estes amaldiçoados beatniks vislumbraram a quebra das ilusões entorpecentes que atingiam o limite da meia-vida tóxica nas mentes da população e relataram com frieza a vivissecção da sociedade americana. Suas palavras não se espalharam muito em sua época, mas os sábios da realidade plantaram sua semente de revolta no imaginário de sua geração. A semente que dizia: resista! O cárcere institucional em que estes sempre foram cativos não mais os prendia, porque não existia. A porta está aberta, as algemas soltas. Você arriscará a liberdade?

A TENTAÇÃO - Follow the white rabbit

A música evoluia de maneira anômala. Experimentações sonoras radicais, quebra de tabus, transvaloração dos valores artístico-comerciais. Tudo provendo do profundo poço imaginativo de mentes rebeldes talentosas auxiliadas pelo manjar lisérgico. Uma explosão de drogas, naturais, sintéticas, de qualquer tipo. A meta é a liberdade e o caminho é a loucura. Padrões, cores, ritmos, luzes, a euforia viajava do tresloucado músico em transe como um xamã e chegava nos ouvidos, no espírito do inocente e curioso ouvinte. O reconhecimento de um hino da contracultura: o rock, definitivamente.

A euforia crescia e a paixão era natural. Sonhos agora tinham sua vez. A liberdade estava lá, bastava agarrar. Movimentos sociais não exatamente relacionados com o Flower Power, mas compartilhando de seu rentimento revoltoso surgiram em outras partes do país e do mundo. Movimentos estudantis, feministas, étnicos, sexuais, políticos. Todos os oprimidos sob o estandarte da moral de rebanho viam agora sua chance e assim acreditaram-se iguais o suficente para o engajamento social. As drogas não ficaram de fora disso. Associando linhas de pensamento esotéricas oriundas do Oriente, ciência especulativa e muitos delírios, o Papa do LSD, Timothy Leary declarou haver um legítimo caminho para a liberdade individual. Os interesses que manipulavam a guerra em ocorrência vieram à tona e os rebeldes não a aceitavam. Houve a contemplação da máquina absurda de sofrimento que o progresso e a civilização causavam. Portanto, em suas delirantes mentes drogadas, houve uma revelação: o inimigo é o Estado, é o presidente, é o juiz, é o policial. É o opressor. It's the man. Stick it into the man! Assim se deu a genealogia do novo ideal ascético dessa geração de revolta: a liberdade pura. A fé no bem que outras pessoas merecem e
podem dar. Coletividade e harmonia seriam as chaves para a vitória, era a vez do oprimido novamente. Este sonho infectou de maneira considerável o cérebro do homem moderno. Como se as drogas houvessem causado uma mutação genética na maneira de pensar de todo homem que se considerava bom. A preocupação exacerbada com cada coisa viva. Ativismo ambiental, atividades sociais e a tentativa de uma divinização ocidental de toda forma viva.

O ÊXTASE - Feed your head

Mas essa é a nossa natureza? A fé no ideal de Rousseau em seu bom selvagem pacífico voltava com grande força. Eis aqui a essência do evento que comemora 40 anos. Estes foram os dias em que se colocou à prova o espírito do homem rebelde. A prova de fogo de seus ideais humanitários. "3 days of peace and music" foi o tagline do filme feito no evento e lançado posteriormente. Desconsiderando as eventuais fatalidades e crimes, a premissa se provou verdadeira, certo? Não conseguimos viver em paz como uma iluminada comunidade por 3 dias? As pessoas esquecem que tudo isso importa. Não, eles não provaram a força do seu sonho. Eles participaram de uma euforia generalizada movida a sonho e éter. As fatalidades devem ser desconsideradas? Não. Elas são essenciais como evidência concreta do amoralismo do homem em um estado (mais) natural. Mortes ocorreram. Não foram acidentais. Abortos, abandonos, exploração, tráfico, oportunismo. Esta é sua verdadeira contribuição. O individualismo gerado por este momento altruísta e libertário conseguiu de fato alcançar um certo nível de liberdade pessoal. Mas não era a liberdade que os foi prometida na religião hindu ou a sussurrada por Jimi Hendrix em sua neblina purpúrea. É a liberdade ontológica do egoísmo plenamente assumido. Vamos checar a lista de conquistas?
  1. A quebra de paradigmas sociais - Confere
  2. Engajamento de minorias sociais - Confere
  3. Resgate de valores humanitários populares - Confere
  4. Harmonia e liberdade - Liberdade sim, harmonia não.

    A QUEDA - This is the end
O fruto mais duradouro da revolução cultural sessentista é em si o individualismo. Na busca pela iluminação pessoal, a geração chapada acabou por explorar a cosmogonia do sujeito e do social. Aí que se manifestou o perigo. O Niilismo bate à porta novamente. O hóspede indesejado! Ele entra calmamente, invade a festa, transforma a embriaguez em ressaca, estupra as mulheres, vicia os bebês, e ri com sadismo quando mostra ao homem que a causa de sua ruína é ele mesmo. Apesar da analogia, este não é um ente exterior. O niilismo nos é inerente. Aí ele se fez presente mais uma vez ao destruir os sonhos de uma nova geração lhe mostrando com crueza a realidade. O efeito do éter passou, chegou a hora de enfrentar a ressaca, jovem hippie. Então ele contempla o mundo e todas suas construções sociais ruindo. Ele só tem uma coisa: sua vida. Ele está sozinho no mundo. The dream is over. Mas não havia somente este tipo de rebelde. Sempre existem os anti-heróis sujos que zombam dos revolucionários. Já em suas primeiras obras, Frank Zappa ridiculariza o hippie drogado com flores na cabeça e em New York, o grupo The Fugs reduz tudo ao nada com cinismo ácido. O jovem idealista agora é o jovem desiludido, viciado, angustiado e extremamente individualista. De 67 a 69 houve a ascenção da geração rebelde oriunda de Haight-Ashbury, passando pela ressaca de 68 e sepultada em 69 após o Woodstock. Pode-se dizer que comemoramos o aniversário de morte do movimento, não somente a data de um festival.



O LEGADO - Monday: nothing, Tuesday: nothing...

Como os ecos deste grito nos afetam? Como já exposto, ela mostrou ao homem a cruel estrutura insólita de uma utopia eufórica. Alguns destes débeis sonhos persistem até hoje como um gemido desesperado que ainda ecoa no vácuo, paradoxalmente. O auto-engano de um progresso social, a nauseante comoção ambiental e animal e a esclerosada esperança numa natureza boa e altruísta. Foi criado um novo tipo de homem, mas a organização predatória na sociedade humana continua a mesma: o rebanho entorpecido por seus ideais e as aves de rapina que continuam a tiranizá-las de maneira oportunista.

Hé sempre bad trip. Baudelaire já nos avisou que os Paraísos Artificiais não nos pertencem. A embriaguez é um estado sublime e tem seu preço. A ressaca não é nada senão justa, causal e moralmente neutra.

Como conclusão, os deixo com o trecho final do filme Fear and Loathing in Las Vegas (Medo e Delírio em Las vegas) baseado no livro homônimo, escrito por Hunter Thompson, sobrevivente do manifesto psicodélico e pai do jornalismo Gonzo.



"We are all wired into a survival trip now. No more of the speed that fueled that 60's. That was the fatal flaw in Tim Leary's trip. He crashed around America selling "consciousness expansion" without ever giving a thought to the grim meat-hook realities that were lying in wait for all the people who took him seriously... All those pathetically eager acid freaks who thought they could buy Peace and Understanding for three bucks a hit. But their loss and failure is ours too. What Leary took down with him was the central illusion of a whole life-style that he helped create... a generation of permanent cripples, failed seekers, who never understood the essential old-mystic fallacy of the Acid Culture: the desperate assumption that somebody... or at least some force - is tending the light at the end of the tunnel. "

"Estamos todos ligados numa viagem de sobrevivência agora. Sem aquela velocidade que aqueceu os anos 60. Esta foi a falha fatal na viagem de Tim Leary. Ele se desbancou pela américa vendendo 'expansão da consciência' sem mesmo pensar nos tipos de criaturas medonhas que estavam esperando por todas aquelas pessoas que o levaram a sério... Todos aqueles patéticos e ansiosos fritos de ácido que pensaram que poderiam comprar Paz e Entendimento a três dólares a dose. Mas sua perda e fracasso são nossos, também. O que Leary levou pro buraco consigo foi a ilusão central de todo o estilo de vida que ele ajudou a criar... uma geração de aleijados permanentes, exploradores fracassados, que nunca entenderam a essencial velha falácia mística da Cultura do Ácido: a presunção desesperada de que alguém – ou ao menos alguma força, está cuidando da luz no fim do túnel.”

- Hunter Thompson



The dead flag blues



Parte mais bela de uma das mais belas músicas.


Godspeed You! Black Emperor - The Dead Flag Blues

The car is on fire
and there's no driver at the wheel
And the sewers are all muddied
with a thousand lonely suicides
And a dark wind blows
The government is corrupt
And we're on so many drugs
With the radio on and the curtains drawn
We're trapped in the belly of this horrible machine
And the machine is bleeding to death
The sun has fallen down
And the billboards are all leering
And the flags are all dead at the top of their poles

It went like this:
The buildings toppled in on themselves
Mothers clutching babies picked through the rubble and pulled out their hair
The skyline was beautiful on fire
All twisted metal stretching upwards
Everything washed in a thin orange haze
I said, "Kiss me, you're beautiful..
These are truly the last days"
You grabbed my hand and we fell into it
Like a daydream or a fever

We woke up one morning and fell a little further down
For sure it's the valley of death
I open up my wallet
And it's full of blood




Odiai o próximo

"Give me crack and anal sex
Take the only tree that's left
and stuff it up the hole
in your cult
ure
Give me back the Berlin wall
give me Stalin and St Paul
I've seen the future, brother:
it is murder. "
- Leonard Cohen



Os que são maus nascem fortes. A moralidade é um ponto fraco, uma oportunidade, uma presa indefesa do sadismo cínico e sofisticado dos predadores. Eles se deliciam em envenenar o estimado mascote imaginário do fraco e ver este sofrer por apego ao seu próprio delírio: seus ideais. Não se aceitam os ideais como meras construções. São sempre símbolos de um bem incognoscível, manifestação de progresso, bom gosto ou glória. Tudo isso é ridículo e facilmente desvendável com algumas doses de whisky, um pico de Nietzsche e um trago de Camus. Um bom fumo também ajuda. Se preferir, a promessa da liberdade lisérgica também é formidável. O imoral é a hiena. O oportunista. Se alimenta dos cadáveres, os espíritos destruídos dos fracos influenciados por seu próprio carrasco. O imoral é sagaz, astuto. Justamente porque não diviniza valor algum. Este lobo da estepe visa seu próprio paraíso individual, eis sua beleza. Ele está em contato com sua verdadeira essência: a consciência individual de si e do isolamento. Uma simples risada vale mais do que a insignificância de mil vidas alheias. Porém, este carniceiro é tão puro que chega a ser comicamente altruísta. Ele não precisa mentir ou canalizar sua recompensa em ridículas satisfações pessoais de uma moral de rebanho. Faz porque quer, e aí está a legitimidade de seu ato. O único ato legítimo é aquele que provém da vontade. Não da condição, da aceitação, do conselho ou da etiqueta. A vontade é o mecanismo da ação, seu melhor combustível. E simplesmente porque essa é substancialmente egoísta. A crueldade é belíssma. A sublime nota que o grito desesperado entoa, a viscosidade hipnótica do sangue a escorrer. Clemências por piedade mostram a covardia intrínseca do seu egoísmo natural. A dor. É um delírio dos sentidos. Um trago quente que queima as entranhas e revigora! O sabor amargo de sentimentos feridos e o aroma acre da ofensa definem o ambiente do delicioso território do Abutre. Este é um aristocrata. Um homem único. Com uma mente iluminada, este verme que se mistura aos demais no banquete da carne podre deste sulfuroso planeta. Ora se mistura e ora se distingue. Possui semelhantes, mas nunca é igualitário. Sempre é mais ou menos. E até mesmo quando se aceita como menos, o faz para zombar de seu companheiro necrófago. A brutalidade é um dom, meu caro. O sadismo é o deleite de nossa geração perdida no pântano da indiferença. Essa selvageria social nos define e nos afia, prepara nossas garras para o abate. Não se esqueça: o universo é um filho da puta, havemos de nos vingar. É só quando seus intestinos vazam pelo abdômen dilacerado que os ascetas percebem sua mortalidade e começam a estimar sua carne mais que seus preciosos valores. Ela merece. Bem vindo à alcateia.

"Give me back the Berlin wall
Give me Stalin and St Paul
Give me Christ
or give me Hiroshima
Destroy another fetus now
We don't like children anyhow
I've seen the future, baby:
it is murder."



domingo, 16 de agosto de 2009

--- torpor

"I have seen the best minds of my generation destroyed by madness(...)"
- Allen Ginsberg

Letargia voraz. Consome o espírito. E todos os feitos: passados, presentes, futuros. Tudo parece gritar o retrato de uma decadência profética. A lenta e voraz destruição de todas as vontades. Apatia atemporal que assola tudo. Somos brilhantes e suicidas. Sente a batida? Os calmos sons da sanidade plena deslizam. A noite escorre pelo peito branco acompanhado de uma amarga dose de auto-consciência mordaz. O futuro é só um estágio mais profundo de uma decadência onipresente. E o jazz lhe afaga os ouvidos, entorpecentes anestesiam o espírito. É assim que existimos. Simplesmente existimos.

_________________

Sub poema


7 maços de cigarro
amassados, vazios e consumidos
8 latas de cerveja
amassadas, vazias e consumidas
Elas fazem companhia
Ao lixo fresco no chão do meu quarto:
9 fragmentos de minha sanidade imatura
amassados, vazios e consumidos



domingo, 9 de agosto de 2009

Organização


"(...) Pois bem, estes senhores vivem do trabalho daquelas senhoras. Aliás, tanto os machos quanto as fêmeas são criaturas extremamente burguesas, que aqui vêm, como de costume, por mitomania ou burrice. Em resumo: por excesso ou falta de imaginação. De vez em quando, estes senhores brincam de faca ou de revólver, mas não acredite que se empenhem muito. O papel exige - nada mais - e eles morrem de medo de disparar os últimos cartuchos. Dito isto, acho que são mais morais do que os outros, os que matam em família, pelo desgaste. Nunca observou, caro senhor, que nossa sociedade se organizou para este tipo de liquidação? Naturalmente, já deve ter ouvido falar dos minúsculos peixes brasileiros que se atiram aos milhares sobre o nadador imprudente, e limpam-no, em alguns instantes, com pequenas mordidas rápidas, deixando apenas um esqueleto imaculado. Pois bem, é esta a organização deles. 'Quer ter uma vida limpa? Como todo mundo?' É claro que a resposta é sim. Como dizer não? 'Está bem. Pois vamos limpá-lo. Pegue aí um emprego, uma família, férias organizadas.' E os pequenos dentes cravam-se na carne até os ossos. Mas Estou sendo injusto. Não se deve dizer que a organização é deles. Ela é nossa. Afinal de contas, é o caso de saber quem vai limpar o outro."
- Albert Camus; A Queda (1956)



La revolución

"REVOLUÇÃO É O ÓPIO DOS INTELECTUAIS"
(O Lucky Man!; 1973)