sábado, 31 de outubro de 2009

O fleuma incandescente

Entregou-se há muito tempo
A uma postura fria
Fartou-se logo
Da jornada prosaica e inócua da vida

Encontrou a linhagem de uma classe dominante
Não em seu sangue, mas no pensamento
Uma aristocrática superioridade
Compartilhada por opressores despóticos

Sentia-se um rei misturado à podridão
Dos escravos miseráveis e doentes
Maculado com a merda e a estupidez
Daqueles que servem a um mestre ilusório

Fez-se frio e indiferente ao miasma acre
Que brotava daqueles cérebros cancrulentos
Mas não podia mais suportar o cortiço imundo
Daqueles que deveriam estar o servindo

Como outros imperadores solitários que calculam friamente
Sua ascenção ao poder de forma lasciva e cruel
Absteve-se da vida vazia e limitada dos sans culottes subservientes
E entregou-se resolutamente à natureza de predador

Mas seus humores doentes, infectados
Pela praga causal da exposição ao submundo
Lhe inflingiram um castigo terrível
O desprezo pela própria existência anônima
O fez atirar-se a um oceano estático

Pântano lodoso, negro como sua própria bile
A estupefação dos vícios sensoriais
E o vôo de Ícaro sob a luz da Revelação
O fizeram mergulhar pesadamente
Nas águas tenebrosas da loucura
Inerente a seu espírito anômalo

Quando não fuma, bebe
Entrega-se facilmente às tentações
Mundanas e ilusoriamente transcendentais
Deu um golpe em seu próprio domínio
E escravizou a própria mente

Revoltado com a condição decadente de
um anjo maldito caindo de um paraíso perdido
e artificial
Devotou-se cruelmente à calmaria calculista dos líderes
Bárbaros do passado

Ainda em meio à vulgar existência fragmentária
Ele espera, contendo um turbilhão de cólera
Preparando suas presas para um abate voraz
Quando o líder nato troçar dos falsários
E lhes impuser um trágico fim, consumido pelo fogo da ira.





quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Delírios coléricos




"Nous avons psychologisé comme les fous, qui augmentent leur folie en s’efforçant de la comprendre."
- Charles Baudelaire


terça-feira, 20 de outubro de 2009

Olhos Profanos

"That is not dead which can eternal lie
And with strange aeons even death may die"
- H. P. Lovecraft




Contemplo o mundo em excesso de existência. Nada, simples como uma cor, contém a si mesmo e é completo. As cores parasitam umas às outras, de forma que nunca contemplo o céu livre de suas infecções em padrões psicodélicos. Pulsando, piscando, morrendo e matando em velocidade monocromática. Um espetáculo indescritível de luzes fantasmas que coexistem com o abismo negro de minhas pálpebras. Algum desarranjo das células cônicas, talvez um sintoma de catarata prematura. Química anômala induzida por substâncias invasoras e corrosivas que alteram a percepção do mundo. Tudo isto interpretado pela lógica das idéias quiméricas, as quais este insone onirismo me inflinge, e assim infectado de pesadelos terríveis e fractais etéreas infinitas. Desafiam as leis da natureza e se tornam um risco à razão. Linhas sem fim, voláteis: deslizam fritando em minha mente e a imagem é uma mera ilusão. Pode um homem confiar nestes olhos profanos? Como no conto, o homem contempla a beatitude do sol e não podendo suportar tal intensidade luminosa, é cegado pelo esplendor da existência completa. Mas ele luta, esforça-se e supera a cegueira inicial, alçando sua consciência a uma nova interpretação, mais perfeita, evidente e restrita, mas profundamente rica. A visão panorâmica da paisagem sob as luzes policromáticas e aparentemente vivas revela o lado que apesar de recheado com ilusões psicodélicas extasiantes é em si verdadeira mente sombrio. Escuro como noites de assassinato, lá está o abismo presente e constante na mente inebriada do romântico comedor de ópio. Delírios febris paranóicos e bruxuleantes açoitam a consciência fragmentada com medos irracionais e abstrações incognoscíveis. Mitologia lisérgica pagã vive e pulsa soberana dividindo a consciência em principados autocráticos. A destruição que traz a devastação completa da sanidade acontece acompanhada da marcha triunfal de um eu interior e alienígena que se rebelou contra o ego. Anjo caído que abandona o paraíso perdido da razão. O arquiteto cai, morto. Ourreason decadente, se suicida impotente e expele os fluídos da podridão pelos buracos e feridas de seu corpo imaculado. Sangue e merda alimentam as quimeras que violentam e queimam a minha consciência. O Universo incabível infinito e limitado dentro do meu crânio entrou em colapso. Buracos negros supermassivos, assassinos da existência, engolem vorazmente as lembranças e os sentimentos, o estado fundamental é dilacerado. A Queda é sutilmente assimilada e meu espírito se desfaz no éter. Restam estes olhos profanos que ornamentam a mortalha tísica como rubis fleumáticos sem brilho. Injetados de sangue, por trás de lentes escuras, eles continuam a observar silenciosamente. Enviam, pateticamente, as imagens distorcidas de um mundo vil para este vácuo onde nada pode existir. Uma estátua vazia, sem espírito e sem razão, que já viveu um dia.



"E Fuzon convocou então
Os filhos restantes de Urizen
E a terra oscilante abandonaram
Denominaram-na Egito & se foram.

E vastas Vagas salgadas o globo envolveu."
- William Blake (O Livro de Urizen, 1794)


sábado, 10 de outubro de 2009

La bile noire

"Vai prum convento. Ou preferes ser geratriz de pecadores? Eu também sou razoavelmente virtuoso. Ainda assim, posso acusar a mim mesmo de tais coisas que talvez fosse melhor minha mãe não me ter dado à luz. Sou arrogante, vingativo, ambicioso; com mais crimes na consciência do que pensamentos para concebê-los, imaginação para desenvolvê-los, tempo para executá-los. Que fazem indivíduos como eu rastejando entre o céu e a terra? Somos todos rematados canalhas, todos! Não acredite em nenhum de nós."
- Hamlet



(Magritte, O prazer)

Um desequilíbrio químico, mal passageiro. O excesso de bile negra confunde a imaginação delirante do enfermo e faz emergir, como a carcaça de um encouraçado apodrecido das profundezas negras de um oceano abissal, a demência predatória. O comportamento se torna hostil, a pele fica pálida e o corpo adoece. Um ódio antinatural queima as entranhas e ofende os familiares. A astúcia aguçada pela paranóia latente e os sentidos abalados, mas constantes. O miasma fétido da decadência espiritual se mistura ao odor da fumaça constante e faz da mente um laboratório sádico de alucinações violentas e desejos infames, mil teatros de tragédias tenebrosas se esboçam num sorriso cruel. Tudo alimenta a pira selvagem que ordena possuir, consumir, dominar, oprimir. Afirmar a vontade autocrática soberana de um monarca solitário confinado nas masmorras de sua própria patologia. Não vejo pessoas, vejo presas. As maquinações criminosas produzem o estupor lamacento da maldição eterna, a maldição primeira! Seu principal fetiche é o assassínio. Afia as lâminas do prazer despótico e primitivo. Seja vingança, desprezo, surto ou embriaguez, qualquer destas fontes é fértil e suas crias, as pragas da loucura, inoculam o veneno em mentes virtuosas e joviais. O coito criminoso é brutalmente planejado, a sede é incontrolável. Ou estas garras cravam-se sem piedade no pescoço de um cordeiro inocente, ou elas cortarão a garganta do próprio demônio. O sangue negro então violará o solo materno da natureza que o abortou sob o estigma misantrópico da besta rapineira.


"Tempo cúmplice, mãos hábeis - e ninguém vendo nada;
Tu, mistura fétida, destilada de ervas homicidas,
Infectadas por Hécate com tripla maldição, três vezes
seguidas,
Faz teu feitiço natural, tua mágica obscena,
Usurpa depressa esta vida ainda plena"

- William Shakespeare