- Bill Hicks

A civilização de uma raça que veio do mar, passou pelo anfíbio, pelo símio, e por fim o Homo sapiens. Uma espécie brilhante. Esta dominava as técnicas de mudar o ambiente ao seu favor, alguma organização social, conheciam os animais, usavam ferramentas diversas e adaptáveis a diferentes climas, regiões e biomas. Mas isso não era o bastante. A evolução deve nos ter pregado uma peça. A maldita evolução nos odeia, ou melhor, a natureza deve ter algum tipo de desejo suicida. Surgiu da eficiência do seu anterior, o Homo sapiens sapiens; que já não é o homem que sabe, é o homem consciente do saber. Consciente de si mesmo antes de todo o resto. A dicotomia entre o subjetivo e o objetivo surge aí. Devido a este fator, nossa antes consciência coletiva animal, formadora de grupos sociais e tendendo a uma continuidade da espécie, havia renunciado seu trono no cástelo de matéria cinza que administrava a percepção. Mas administrava de maneira difusa, enquanto o sujeito sentia que os seus pensamentos, sua visão, suas experiências, sua persona; tudo isso estava mais presente na consciência, se colocava de maneira primária. Virou os olhos do sujeito para dentro do crânio e os fez fixarem um amontoado orgânico e acinzentado coberto de sangue. Fez o seu olhar voltar-se para dentro de si. Essa era uma preocupação desconhecida ao hominídio ancestral. O primata observa o mundo à sua volta, e aprendendo a partir de sua experiência segue sua vida tomando cuidado somente com o que poderia colocar em perigo sua sobrevivência e a dos filhotes. Mas com o surgimento do ego, outras informações juntaram-se a essas e as suplantaram. Informações sobre o ser que se contempla estranho, não correspondente com a realidade, disfuncional. A desorientação ao constatar sua própria existência assim como as coisas que no mundo natural existiam vinha de um desconforto, uma angústia com essa condição. A partir de então o sujeito se torna isolado dentro de si, entregando-se aos caprichos aleatórios da vontade humana. Surgiu o sentimento de identidade que é individual e não coletivo. Como um ser pode vir a contemplar sua existência? Não é muito fácil, poucos conseguiram (e até hoje poucos realmente conseguem, o que é lastimável), mas estes, ao arriscarem-se a pensar e forçar o cérebro a se desenvolver. Surge a Razão: o racionalismo é o método epistemológico do questionamento do que se dá à percepção. Para estudar o mundo, o homem precisa percebê-lo não só através dos sentidos, mas processá-los e procurar essências e padrões do mundo natural de maneira a simplificar suas árduas atividades. O problema apareceu quando o homem voltou este olhar crítico para si. Desde o primeiro de nossa espécie até hoje, pessoas nascem, vivem e morrem sem ter consciência de que existiram. Bons são eles, eles são os responsáveis pela continuidade biológica da raça. Miseráveis desempregados alcoólatras que espancam e estupram suas mulheres, filhas, irmãs ignorantes e dopadas, que, imbecis o suficiente, decidem por ter o maldito bebê. Eis porque a população infecta esse mundo como uma doença letal consumindo incessantemente, fornicando a toda hora e se espalhando por cada lugar desse vasto planeta. Sintam-se orgulhosos. Sugando a Terra diretamente pela veia, inoculando o veneno no

"We're trapped in the belly of this horrible machine
And the machine is bleeding to death"
- Godspeed You! Black Emperor

Civilização é todo um conjunto de entidades físicas estabelecidas para a raça humana como um ambiente organizado e harmônico voltado para o progresso. Mais poderosas e perigosas que estas entidades, são as que não tem qualquer aparência física e provém diretamente da engenhosidade imaginativa. As bases ideológicas da sociedade determinam o "dever ser" de cada um. Deve-se ser educado, civil, patriota, religioso, trabalhador e submisso ao sistema. Tudo isso nutre e mantém as gigantes máquinas que balançam suas tetas da alienação. Política, economia, história e filosofia são algumas das ferramentas que aprimoram a welt anschau (visão de mundo) e adaptam-na ao conhecimento dos fenômenos da vida social. O legado humano é uma eterna competição de tudo contra todos para impôr sua verdade, fonte da ação legítima, sobre da vontade de outrem. Os vencedores positivos são aqueles que vencem, predam o outro e conquistam este desafio. Hoje temos uma política que se diz democrática, mas é ditada pela minoria aristocrática dos milionários vendidos e comprados por outros milionários e corporações de milionários. As grandes corporações já se infiltraram e têm seus tentáculos fixos nos monumentos da política. Um de seus mais notórios mecanismos é o lobby. Como este sistema prospera acima de qualquer outro é relativamente simples. O sistema liberal capitalista é aquele que permite a atuação desmedida da natureza individualista, gananciosa e destrutiva inerente ao ser humano enquanto se contempla como tal. A propriedade privada, livre iniciativa e a liberdade de lucro serviram para afirmar que o vencedor é o que domina, enquanto o oprimido continua rastejando historicamente no poço de merda de toda a espécie. O cenário perfeito para o caos brotar como uma erva daninha devoradora e implacável sobre a face deste já podre planeta e acabar com o indivíduo e com o todo. Viver o niilismo é impossível, cria um paradoxo filosófico inaceitável de forma racional, mas manifestá-lo enquanto agente destruidor (desconstrutor) era possível e o homem percebeu que era bom. Verdades cruas e nojentas caem aos nossos pés todo dia denunciando a corrupção, a discórdia, o pecado, o crime, a doença, a fome, a peste, a guerra, a morte como grandes males da civilização, mas estes são males ontológicos inerentes à espécie. Somente aqueles que não foram intelectualmente selecionados para dar continuidade à raça humana medíocre conseguem contemplar, da boca do lixo. Contemplam estas simples verdades que não são nem um pouco metafísicas, mas físicas e factuais. O predador social solitário e oportunista, o misantropo nauseado, o governista mentiroso. São estas algumas das figuras cobertas de podridão que não vão contra a máquina do Estado porque não são contrários a ele. Muito pelo contrário, sobrevivem do sistema! Eles predam este mesmo sistema e prosperam com isso escalando vertiginosamente a montanha de corpos até o pico, onde morrerão sem cerimonias e despencarão da pilha como mais cadáveres inertes que apodrecem e alimentam a máquina.
O sistema é ideal enquanto dá vazão aos sentimentos de desejo de opressão do indivíduo e como um coletivo sintético patriótico ou regionalista. Países que prosperaram sempre foram aqueles que dominaram com muitas mentiras, crueldade, extorsão e violência sem qualquer pudor. Os desenvolvidos enfiaram suas garras e fizeram dos países pobres sua fonte de nutrição. Os Estados Unidos da América, com seu longo histórico de revolução, nacionalismo, protecionismo, hipocrisia, ideologia e oportunismo foi simplesmente o mais eficiente enquanto dominou, junto com gigantes econômicos europeus muito mais antigos, os continentes de etnias pretensamente inferiores e não civilizadas. O fardo do homem branco civilizador e avançado ainda está presente no imaginário popular contemporâneo. Séculos de opressão ficarão impunes? Vemos hoje este império imponente como a águia, seu símbolo, com uma asa quebrada sendo cercada por representantes das mais variadas espécies que já predou durante seu império. Todo tipo de praga e animal peçonhento - e também dos outros predadores de rapina ardis o suficiente para se aproveitarem da situação -. É uma revolta de ódio oriunda de uma vontade de poder reprimida por milênios de escravidão braçal e moral que cresce de maneira passiva agressiva até que estoura além do próprio controle disparando fogo e chumbo para todos os lados. Não sobra nada.
Hoje a globalização e a evolução da comunicção tornaram o conhecimento um mercado. Aberto a todos, mas só funciona bem para aqueles que conhecem os mecanismos, que antes de pertencerem aos meios da comunicação, pertencem à própria comunicação.
"For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has not
To say the things he truly feels and not the words of one who kneels
The record shows I took the blows and did it my way!"
- Frank Sinatra (composição de Paul Anka)
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