sexta-feira, 17 de julho de 2009

O Nada Inerente - Parte II

Demorei pra escrever novamente. Não por falta de insights, mas talvez por um niilismo muito profundo que me colocou na decadência que me encontro agora.

"And the mercy seat is waiting
And I think my head is burning And in a way I'm yearning To be done with all this measuring of truth. An eye for an eye A tooth for a tooth And anyway I told the truth And I'm not afraid to die."
- Nick Cave

Desta vez tratarei sobre o que vivemos. A existência, a condição humana. O poeta visionário William Blake, considerado por vezes louco e gênio, uma vez disse em seus escritos:

"Assim, o Prolífico é uma porção de ser; Outra é o Devorador. O Devorador pensa ver o Prolífico, acorrentado, mas isto não ocorre; Apenas toma porções de existência iludindo-se que são o todo.
Entretanto, o Prolífico deixaria de ser Prolífico somente se o Devorador como um mar recebesse o excesso de seu gozo. Alguns poderiam dizer; Não seria Deus o único Prolífico? Respondo: Deus apenas Age & É nos seres existentes ou Homens. Essas duas classes de homens sempre encontraram-se na terra e serão inimigos; Quem tenta conciliá-los busca a aniquilação da existência."

A DUALIDADE


O Prolífico e o Devorador, disse Blake. Ambos, simplesmente ao som de suas palavras, parecem antagonistas - e o são. Mas no que se mostra objetivamente este antagonismo? Observemos tudo que existe (E NÃO EXISTE): Vida e morte, luz e sombra, som e silêncio, verdade e mentira, saudável ou mortal, moral e amoral, imaginação e razão, amor e ódio, bem e mal, bom e mau, certo e errado, existência e nada, direita e esquerda, os membros (quase sempre em pares) em tudo que é vivo, AD NAUSEUM... É assim que a raça humana interpreta tudo que é imaginável desde sua origem enquanto espécie. Por quê? Porque nossa existência em si é dual, muito dual! Ao mesmo tempo que somos animais, com heranças selvagens, símias, primitivas; somos HUMANOS, racionais, questionadores, transformadores. O que é (mais) natural nesse sistema? Claramente o lado selvagem. Reinado pelos principais instintos: sobrevivência e reprodução; que geram emoções: medo, luxúria, fúria, fome, vontade, empatia. Cada um destes, como anteriormente evidenciado, é parte da semente fértil que cria o que chamamos de existência ou condição humana. O medo se torna precaução, às vezes paranóia; a luxúria como manifestação do instinto de preservação da espécie se torna paixão, às vezes amor; a empatia natural se torna a compaixão, às vezes o imbecil sentimento humanista de igualdade pelo semelhante. Tudo isso é natural, derivante do que provém a vida e é amigável a este. Tudo isso que podemos julgar como irracional.

Mas então que é o Devorador? O devorador é tudo que anteriormente foi citado como antítese ao que é hoje tido como bom e amigável à vida. O Devorador é a morte, a destruição, o escuro, o nada. O Devorador é a razão. É evidente que este ente é anagônico ao natural e à vida. Basta notar os frutos da razão na história da humanidade: morte. É a morte do natural e mais recentemente a privação dos instintos em favor do que é LÓGICO. Basta olhar ao seu redor agora mesmo. Você está lendo este texto em um blog. Na internet. Tecnologia, desenvolvimento, técnica, mecânica, matemática, física, química. Com nossa razão criamos tudo isto que é sintético. O exercício racional em si tem a pretensão de mostrar tudo que é claro e lógico no mundo e transformar o mesmo em objeto de estudo, verificação e modificação. É nesta base racional que fundamentamos nossa crença no desenvolvimento. A genética, a evolução, as leis físicas e evidências matemáticas a priorísticas revelam a nós uma natureza do mundo que realmente é. Desvendamos a "maravilha da vida" a simples ações sem sentido aparente que acabam por desencadear uma sucessão de ocorrências meramente causais e auto-suficientes que se perpetuam ao dia de hoje. A partir do desenvolvimento do intelecto, restringimos a verdade ao que é lógico, e como este é auto-suficiente e vazio de impressões humanas em seu êmago, é realmente um NADA que simplesmente existe. Isto está errado? É hostil à vida, antinatural, seria por isso mesmo errado? Não, (in)felizmente não. O racionalismo é o exercício da dúvida e da suspensão do juízo, como brilhantemente o filósofo francês Reneé Descartes concluiu. A partir da dúvida de tudo que ele tinha como real, isto o levou a duvidar da própria existência. Foi aí que Descartes descobriu que isto era impossível. Pois a dúvida é exercício do pensar, e para pensar se deve existir. "Penso, logo existo" . Infelizmente devido à banalização contemporânea de tudo, as pessoas não conseguem compreender a profundidade ontológica desta afirmação. Ela, em si, nada mais afirma além da existência do pensador, desprovida de qualquer juízo moral, ético, conceitual ou qualquer outro. Deste modo, é fácil evidenciar a falta de qualquer sentido ou essência à existência, pois ela simplesmente não precisa de um.
A partir disso, o que é possível de se contemplar como o exercício substancial da razão? A dúvida, claro. E qual é o método mais radical da dúvida? O NIILISMO. Descrença. Razão pura. Começando com a suspensão do juízo sobre valores morais (como em Nietzsche) podemos assim duvidar de qualquer outro valor atribuído a tudo, e por que não, já que todo crer é nada mais do que simplesmente julgar? O niilismo ontológico então só serve para nos evidenciar a falta de qualquer beleza na existência. Tudo que é amigável à vida é uma construção da Imaginação sobre instintos primordiais. A falta disso, devido á nossa interpretação dual do universo, se torna antagônica à vida. Em um campo prático, podemos exemplificar isso com a ciÊncia e suas consequências. Tiramos o sentido natural da Gaia extraindo seus recursos naturais para a construção de produtos e subprodutos sintéticos que nos servem tão bem. Tiramos a vida de várias formas vivas simplesmente pela utilidade (muitas vezes desnecessária) que nos apresenta. Destruímos a nós mesmos, aos animais, ao planeta, à existência, à vida. Que ente é este? É o Devorador. A anômala aparição deste EU auto-consciente, crítico e pensante originado do desenvolvimento fisiológico do cérebro. Porém, AINDA somos duais...

A IMAGINAÇÃO

O papel do ente Imaginação nisso tudo é uma criação, que apesar de humana, não é substancialmente hostil à vida como a razão. Tudo na vida cotidiana antropomórfica contemporânea é imaginação. Exemplo claro disso é a preocupação com eventos e convenções sociais: escola, Estado, direito, sociedade, moral, ética, religião. Em campos mais sensíveis (e até mesmo oníricos): arte, devaneio, delírio, alucinação; a EMBRIAGUEZ ESSENCIAL***(N.A.) dita por Baudelaire... música, poesia, plástica, filme, cor, sentimento. A imaginação é o resquício do primitivo, que na nossa percepção se torna fantástico.


CONCLUSÃO

É curioso como todas estas alucinações e filosofias vieram a ser contempladas por um adolescente sulista brasileiro regado a substâncias psicoalteradoras. Apesar de me considerar um niilista, posso dizer que sou um fiel condenado à beleza sonhadora da imaginação e à crueza lógica da razão, que me permitem contemplar com tal riqueza... tudo.

A FILOSOFIA?

Razão e Imaginação. Dualidade perpétua. Quem tenta conciliá-los busca a aniquilação da existência. A Morte do Ser: "mors ontologica"

***(N.A.) "É necessário estar sempre embriagado. Tudo está aí: é a única questão. Para não se sentir o horrível fardo do Tempo que quebranta os vossos ombros e vos curva em direcção à terra, deveis vos embriagar sem trégua. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiserdes. Mas embriagai-vos."

-
Charles Baudelaire


Pós-escrito: com a "Conclusão" presente neste texto, não era minha intenção finalizar ou fechar este tema.



Nenhum comentário:

Postar um comentário