quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Midnight Black Earth

As notas rastejam sobre minha pele, me excitam, me corroem. O hino sem voz dos condenados é arranjado pelos músicos fantasmas. As labaredas da estação me oprimem, languidamente me enfraquecem. A peça maldita, fruto ilegítimo da loucura dos prisioneiros. Eu os ouço na escuridão, no isolamento decrépito, também devo ser um condenado. O vinho infla minha razão e desafia as noções do criador. Amarga poção lenitiva , elixir dos prazeres mais hedonistas, templo de Baco e palácio do absoluto. A batida constante conta os momentos melancólicos que antecedem o desconhecido. A noite escorre, selvagem, calma, com a fleuma da tempestade. Na terra negra do solo preto e vulcânico, os monolitos cinzentos e obeliscos de vidro, vias infinitas e turbulentas, monstros mecânicos em movimento acelerado. A fumaça, intoxicante e sensual, serve de neblina nesta noite quente em que as sombras caem, em pingos sucessivos, no abismo do tempo e do corpo. O pulsar sanguíneo da percussão dita o tom fúnebre da fanfarra inerte. Nada se move, os halos de luz brilham fantásticos sobre a podridão do pavimento. Bombas de neón explodem na periferia de seu horizonte, ofertas voluptuosas de carne, sangue e ganância. A traição fria como o cano do revólver, que esquenta com a cólera do disparo e sepulta todo o peso do ódio no crânio do infeliz. Os templos conservados entre os bordéis, espinhas do inferno que perfuram o solo negro, santuários da salvação eterna e reino dos escravocratas de almas, conduzem o rebanho espiritual para o mais macabro matadouro, oh, os horrores satânicos, volúpias celestiais. Um monstro acaba de dilacerar uma jovem na avenida principal, seus restos mortais se encontram nas ferragens do estômago da besta, que ainda conserva a chama de seu combustível a consumir a adorável cabeça da mocinha, transformando seu lindo rosto de Venus na crapulosa caveira negra consumida pelo inferno. Dentro da quimera, um carrasco podre e degradado, uma garrafa de vodka na mão e as calças abaixadas. Não esporrou, mas vomitou seu sangue sobre a cabeça já lacerada do travesti que lhe cedia seus serviços. Nas entranhas da fera, essas se confundem com as da presa. O sangue e o metal retorcido pelo fogo compõe esta pira urbana e pagã, uma homenagem solene a estas quatro vítimas da catastrófica ordem natural. Quatro? Sim, o feto esmagado que ocupava o útero da moça devorada encontrava-se fritando sob o motor imperioso da máquina. Doce quase criança, aberração ainda não formada. Um bom prato para o sinistro celerado que observa tudo na esquina com um sorriso vacilante e agita seu membro sob a capa. Os gritos dos inocentes e dos miseráveis que padecem sob a brutalidade implacável do cotidiano babilônico ecoam timidamente mesclando-se ao tumulto da metrópole. Servir e proteger, vigiar e punir. Os suínos crapulosos patrulham as vias em busca de suas próprias vítimas. O respeito do metal da insígnia é assegurado pelo metal da pistola, a Justiça impotente largou sua espada e a balança serve para pesar sua dose de heroína. Um milagre urbano, porra de deus! A estátua santa sangra numa paróquia o licor infecto da perfídia. O sempre ilustre parricida lambe sua faca e consome o sangue de seu genitor. Messias crucificados em todo poste, sua morte ilumina os caminhos das almas perdidas, seu sangue é a noite, que flui e se esvai, dejeto psicopático que volta ao esgoto. Extasiante atmosfera, quantos são os crimes e desventuras sórdidas que nossa pólis imponente oferece aos seus habitantes. O espetáculo é eterno, a ordem é o caos. Tudo deve perecer, os vermes invadem o concreto... e até mesmo as chamas são negras sob o badalar cruel da meia noite.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Décimo quinto dia de Sodoma



"Permiti-me, senhores", disse, "que interrompa um instante o relato das paixões para vós comunicar um acontecimento que não tem nenhuma relação com ele. Apenas diz respeito a mim mesma, mas como me ordenaste seguir com os acontecimentos interessantes da minha história mesmo quando não cabiam no relato dos gostos, acredito que este é de uma natureza que não deve ser silenciada, Havia muito tempo que na casa da senhora Fournier, tornando-me a mais antiga no seu harém e aquela em quem mais confiava. Era euq uem costumava arranjar os encontros e receber o dinheiro. Essa mulher fizera as vezes de minha mãe, socorreu-me em diferentes necessidades, escrevera-me fielmente na Inglaterra, abrira-me gentilmente a sua casa quando do meu retorno, quando meus problemas levaram a lá desejar de novo exilar-me. Por vinte vezesm emprestou-me dinheiro e muitas vezes nem exigiu que a pagasse de volta. Chegara o momento de lhe provar meu reconhecimento e de corresponder a sua extrema confiança em mim, e ides julgar, senhores, como minha alma se abria à virtude e o acesso fácil que a ela tinha. A Fournier adoeceu e seu primeiro cuidado foi mandar me chamar. 'Duclos, minha filha, eu te amo', disse-me, 'sabes disso e vou provar-te isso pela extrema confiança que vou ter em ti neste momento. Acredito que, apesar de tua cabeça má, sejas incapaz de enganar uma amiga; estou muito doente, estou velha e nçao sei, conseqüentemente, o que vai ser disso. Tenho parentes que vão se jogar sobre minha sucessão; quero pelo menos frustrá-los dos cem mil francos que tenho em ouro nesse cofrinho. Toma, minha filha', disse, 'aqui estão, a ti os entrego, mas exijo que disponhas deles do modo que vou prescrever'. 'Oh, minha cara mãe', disse-lhe abrindo-lhe os braços, 'essas precauções me desolam; elas serão certamente inúteis, mas se infelizmente se tornarem necessárias, juro-vos que seguirei precisamente vossas intenções'. 'Eu acredito, minha filha', disse-me. 'Por isso lancei os olhos sobre ti. Esse cofrinho contém, portanto, cem mil francos em ouro; tenho alguns escrúpulos, minha cara amiga, alguns arrependimentos da vida que levei, da quantidade de moças que tenho lançado no crime e arrancado a Deus. Quero, portanto, empregar dois recursos para que a divindade seja menos severa para comigo: o da esmola e o da reza. As duas primeiras porções dessa soma, que serão de quinze mil francos cada, irão uma aos capuchinhos da rua Saint-Honoré, para que esses bons Padres rezem perpetuamente uma missa para a salvação de minha alma; a outra, do mesmo montante, entregarpas, assim que fechar os olhos, ao padre da paróquia, de modo que ele distribua na forma de esmolas entre os pobres do bairro. A esmola é uma excelente coisa, minha filha, nada como ela para consertar, aos olhos de Deus, os pecados que cometemos na terra. Os pobres são seus filhos e ele ama a todos aqueles que os aliviam; nunca o agradamos tanto como com esmolas. É o verdadeiro modo de ganhar o céu para si, minha filha. Quanto à terceira parte, de sessenta mil libras, logo depois da minha morte, irás entregá-la ao chamado Petignon, aprendiz de sapateiro, na rua du Bouloir. Esse infeliz é meu filho, ele nem desconfia. É um bastardo adulterino; quero dar a esse infeliz órfão, ao morrer, provas de minha ternura. Quanto às dez mil outras libras restantes, minha cara Duclos, quero que as guarde como uma fraca prova do meu apego por ti e para te compensar o trabalho que terás para cuidar do restante. Tomara que essa pequena soma te ajude a encontrar um partido e a deixar a indigna profissão que exercemos, na qual não há salvaçã, nem esperança de jamais consegui-la'. Interiromente encantada por abocanhar uma soma tão boa e muito decidida, por medo de me confundir nas divisões, de fazer um único lote para mim mesma, desandei artificiosamente a chorar nos braços da velha matrona, reafirmando-lhe meus juramentos de fidelidade, e não me preocupei mais nesão com os meios de impedir que um cruel retorno de saúde viesse mudar sua resolução. Esse meio se apresentou já no dia seguinte: o médico receitou um emético, e como eu cuidava dela, foi a mim que entregou o pacote, recomendando usálo em duas vezes, e tomar muito cuidado para separá-lo mesmo, pois eu a mataria caso lhe desse tudo de uma vez só; apenas deveria administrar a segunda dose caso a primeira não surtisse bastante efeito. Prometi ao Esculápio ter todos os cuidados possíveis e, assim que virou as costas, banindo de meu coração tantos sentimentos fúteis de reconhecimento que teriam detido uma alma fraca, afastando todo arrependimento e toda fraqueza, e considerando apenas meu ouro, o doce charme de possuí-lo e as cócegas deliciosas que sempre se sente cada vez que se projeta uma má ação, prognóstico certo do prazer que ela trará, entregando-me apenas a tudo isso, disse, tratei imediatamente de misturar as duas doses num copo de água e apresentei a bebida à minha doce amiga, que, encolindo com segurança, nisso logo encontrou a morte que eu me esforçara por lhe proporcionar. Não posso vos descrever o que eu senti enquanto via minha obra ter êxito. Cada um dos vômitos nos quais sua vida se esvaia produzia uma sensação realmente deliciosa em toda minha organização: escutava-a, olhava-a, estava completamente ébria. Abria-me os braços, dirigia-me um último adeus, e eu gozava, já formando mil projetos com esse ouro que ia possuir. Não demorou muito; a Fournier morreu naquela mesma noite e vi-me dona do pecúlio."



"Duclos", disse o Duque, "diga a verdade: te masturbaste? A sensação fina e voluptuosa do crime alcançou a volúpia?" "Sim, Monsenhor, confesso; e esporrei cinco vezes em seguida desde o começo da noite." "Logo é verdade", disse o Duque gritando, "logo é verdade que o crime tem por si só um atrativo, que independententemente de toda volúpia, ele pode bastar para inflamar todas as paixões e lançar no mesmo delírio que os próprios atos de lubricidade! E então?..." "Então, senhor Duquem nabdei enterrar honrosamente a patroa, herdei do bastardo Petignon, tive o cuidado de não mandar rezar missas e muito menos de distribuir esmolas, espécie de ação que sempre tive em verdadeiro horror, por mais que a Fournier falasse bem disso. Afirmo ser preciso que existam miseráveis no mundo, que a natureza assim quer, assim exige, e que pretender restablecer o equilíbrio é ir contra suas leis, se ela quis a desordem." "O que, Duclos", disse Durcet, "tens princípios! Que felicidade ver os que tens nesse pomto; todo alívio trazido ao infortúnio é um crime real contra a ordem da natureza. A desigualdade que instalou entre nossos indivíduos prova que a discordância a agrada, uma vez que a estabeleceu e que a quer nas fortunas como nos corpos. Assim como é permitido ao fraco consertá-la pelo roubo, também é permitido ao forte restabelecê-la ao recusar seus socorros. O universo não subsistiria um instante sequer se a semelhança entre todos os seres fosse perfeita; é dessa dessemelhança que nasce a ordem que mantém e conduz tudo. É, portanto, preciso evitar perturbá-la. Por sinal, acreditando fazer um bem a essa infeliz classe de homens, faço muito mal a outra, pois o infortúnio é a sementeira onde o rico vai buscar os objetos de sua luxúria ou de sua crueldade; eu o privo desse ramo de prazer ao impedir por meus socorros que essa classe se entregue a ele. Portanto, com minhas esmolas, apenas agradei ligeiramente uma parcela da raça humana, e prejudiquei prodigiosamente a outra. Logo, considero a esmola não somente como uma coisa má em si, mas considero-a ainda como um crime real contra a natureza que, ao nos apontar as diferenças, nunca pretendeu que as perturbássemos. Assim, muito longe de ajudar o pobre, de consolar a viúva e aliviar o órfão, se ajo segundo as verdadeiras intenções da natureza, não apenas os deixarei no estado em que a natureza os colocou, mas ajudarei até suas visadas ao prolongar-lhes esse estado e ao me opor vivamente a sua mudança, e acharei, para isso, que todos os meios são lícitos". "O quê", disse o Duque, "até mesmo roubá-los ou arruiná-los?" "Certamente", disse o financista. "Até mesmo aumentar seu número, uma vez que sua classe serve para outra, e que ao multiplicá-los, se faço um pouco de pena a uma, farei muito bem a outra." "Eis um sistema bem duro, meus amigos", disse Curval. "Dizem, entretanto, ser doce fazer bem aos miseráveis!" "Que abuso", retrucou Durcet, "esse gozo não se compara ao outro. O primeiro é quimérico, o outro é real; o primeiro se deve a preconceiros, o outro se embasa na razão; pelo órgão do orgulho, a mais falsa de todas nossas sensações, um pode tintilar um instante no coração, o ouro é um verdadeiro gozo da mente e que inflama todas as paixões pelo próprio fato de contariar as opiniões comuns. Numa palavra, um me deixa de pau duro", disse Durcet, "e sinto muita pouca coisa com o outro." "Mas será que devemos sempre relacionar tudo a nossos sentidos?", disse o Bispo. "Tudo, meu amigo", disse Durcet. "Eles são os únicos que devem nos guiar em todas as ações da vida, pois apenas seu órgão é realmente imperioso." "Mas milhares de crimes podem nascer desse sistema", disse o Bispo. "Ei, o que me importa é o crime", respondeu Durcet, "contanto que me deleite. O crime é um modo da natureza, uma maneira com a qual move o homem. Por que não quereis que eu me deixe mover tanto por ela neste sentido como no da virtude? Ela precisa de ambos, e sirvo-a tanto num como no outro. Mas ei-nos uma discussão que nos levaria longe demais. A hora do jantar vai tocar, e a Duclos está muito longe de ter cumprido a sua tarefa. Continuai, moça encantadora, continuai, e ficai certa de que acabastes de nos confessar uma ação e sistemas que vos merecem nossa eterna estima assim como a de todos os filósofos."

Trecho de Os 120 dias de Sodoma, Le Marquis de Sade.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Manifesto contra o Ser

"This summer I swam in the ocean
And I swam in a swimming pool
Salt my wounds, chlorine my eyes
I'm a self-destructive fool
a self-destructive fool"

- Loudon Wainwright III



Estou cansado de sua pompa prolixa e pedante! Seu orgulho exacerbado e filosofias mirabolantes e fabulosas, que não passam de teorias esdrúxulas para servir de auto afirmação patética e para legitimar seu fracasso como pessoa. Quanto ao seu desgosto imaturo pela sociedade, saiba que é recíproco. Seus hábitos grotescos e vícios ridículos são um cortejo de babaquices adolescentes onde reina a auto indulgência hipócrita. Tudo o que você faz é transformar sua preguiça insolente numa justificativa para sua vida de derrotado e infeliz. Suas mentiras são mal elaboradas, sua malandragem é estúpida e sua inteligência é menor do que você faz aparentar. É um misógino e um delinquente, além de tudo é criminoso. Que pague logo por seus delitos infantis antes que arrisque a segurança de uma pessoa respeitosa, pois já tivemos o suficiente de seus insultos inconsequentes e perfídias irritantes. Seu mau gosto é fascinante, ainda mais por ser ostentado com tanta opulência e tola crença em seus interesses refinados. É inapto à convivência e a prova cabal deste veredito pode ser vista em sua própria figura. É mentiroso, cruel, estúpido e viciado. Seus elogios da corrupção apelam somente aos celerados e pervertidos da pior espécie. Seu cotidiano torpe é um conjunto de acontecimentos entediantes e triviais, que só são falsamente embelezados pelo esplendor de sua embriaguez e a fuga desesperada de uma realidade onde você é fraco demais para viver. Este é o motivo de todas suas fantasias irracionais e pseudo filosofias alucinadas. Não é surpresa que sua existência se dê de forma tão desprezível e solitária, qualquer pessoa com o mínimo de respeito por si mesma e por qualquer outro, ao contrário de você, não pode deixar de se sentir ultrajada pela sua presença desagradável. Este é só o prelúdio de uma grande lista de fatores que o tornam o que é: a manifestação repugnante do delírio de superioridade preguiçoso e limitado. Um detalhe ridículo cuja menção se faz interessante é a sua teimosia tão covarde que o impede que comita o rito final dos fracassados. A execução por lei simplesmente lhe daria o conforto de não ter nem mesmo a responsabilidade de lidar como um homem com o fardo que é a própria sentença.

"How can I let this slip through my suspicious mind?
I do not care about your opinions anymore.
They mean nothing to me.
A reckless past catching up to me... and for what?"

- Fooling the Weak, Make a Change... Kill Yourself (II, 2007)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Vigário

"Cause I need to watch things die from a distance
Vicariously I live while the whole world dies
You all need it too, don't lie"

- Tool



Em minha torre de pedra observo tudo. O espetáculo babélico da ordem primal. Meus olhos torpes são órgãos copuladores, causam espasmos lúbricos quando estimulados pelo cenário lúgubre do matadouro. A crueza da carne, exposta e mutilada, ejaculando sangue e merda, as massas viscerais disformes pulsando ao som do desespero, ecos abissais da dor. O pus blenorrágico escorre sobre a pele alva e lasciva da vítima. O som de um disparo, a certeza de um cadáver, o triturar lento dos ossos, o licor emético da podridão, o sangue que escorre de maneira indulgente, maculando o mundo em seu vício de se espalhar, fluindo e criando o oceano vermelho que inunda esta terra santa abandonada. O prazer crapuloso do voyeur que assiste e aprende, gosta e goza com o êxtase maldito da tragédia. Elixir sensorial e sensual que é a gênese de todo prazer. Delírios sádicos e intensões calamitosas permeiam meus desejos mais vorazes. Mas assisto pacientemente, espero, me regojizo na queda eminente de toda essa raça. Admiro a aptidão do assassino e sua astúcia letal, o poder destrutivo do fogo e do aço, a opressão despótica sobre a presa e o controle soberano e edílico sobre a vida. A insanidade caótica e cínica do psicopata é digna de sua canonização na catedral da dor. A exatidão cartesiana nos designios de um torturador celerado e cruel e a precisão fria do executor são os atributos que constituem os valores nos códigos do desregramento a que são fiéis nossos grandiosos vilões. Campeões celerados e pérfidos que são protagonistas das fábulas mais fascinantes que os homens ingênuos temem, mas desejam. Não há um véu de aparências, a verdade é exposta como um cadáver eviscerado. A hecatombe humana é uma apresentação sem fim, mas nunca é desinteressante mesmo para aqueles cujos gostos são os mais refinados e implacáveis. Reduzo minhas presas a seu sucubato servil. O furor do vício eclesiástico e devasso estimula a cólera lúbrica dos meus golpes imperiosos. A deliciosa volúpia do assassinato é uma maquinação constante na fábrica de atrocidades que é o cérebro entorpecido do criminoso santificado. O fiel sempre observará com deleite o perpétuo desfile de monstruosidades e criaturas oniródinas em sua ruína mais imunda, o membro fantasma de aberrações mutiladas acaricia o ventre alvo e puro da virgem desecrada. Sou o vigário, mestre da masmorra e observador rapineiro. Meu cárcere é o obelisco de rocha e metal em que confabulo com languidez. O vício engendra a doença da alma. A náusea provocada pelo miasma fétido da podridão humana inflama o ódio e desafia a sanidade. Deve-se abraçar todos estes prazeres atrozes com ávida determinação, pois o crime é por demais grandioso para ser simplesmente admirado. Uma gargalhada doentia anuncia o despertar do algoz. Torrentes rubras escoarão pelas vias de pedra ao comando do tirano. Que a carnificina comece.


"Pois, diga-se de passagem, embora o crime não possua o tipo de delicadeza encontrado na virtude, não é ele sempre mais sublime? Não tem um carater constante de grandeza e sublimidade que prevalece e sempre prevalecerá sobre os encantos monótonos da virtude? Quereis falar-nos da utilidade de um ou de outra? Será que nos cabe sondar as leis da natureza, ou decidir se, sendo-lhe o vício tão necessário como a virtude, ela talvez nos inspire de modo igual um pendor para um ou para outra, em razão de suas necessidades próprias?"
- Marquês de Sade

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Siegfriedblut




Carregamos este fardo em nosso sangue. É a dádiva do herói em seu sentido puro, profundamente trágico e moralmente neutro. A mitologia nórdica e o ciclo de óperas Der Ring des Nibelungen são um monumental retrato deste espírito que era comum entre o povo bárbaro e transcendeu sobre a era cristã em algumas localidades como a Escandinávia, onde a relação dos escandinavos com sua terra natal e suas raízes pagãs ainda constitui um vínculo forte com um passado no qual os homens não eram subjugados por suas próprias ideologias e dogmas na figura fantasmagórica de um poder onipotente supremo. Estes indivíduos tinham maior liberdade, mas não num sentido ingênuo e idealista, a liberdade era fruto de sua sabedoria, que por costume passou a ser contada entre as pessoas, para seus descendentes e assim por diante. Esse compêndio de estórias poeticamente ricas, com um sentimento épico imaculado de dogmas morais, veio a formar os panteões, divindades e criaturas mágicas que, interagindo com os homens e com os mortos, retratavam as diferentes facetas de visões maduras dos sábios, modeladas pela melodia dos bardos e ardendo com a coragem dos bravos. A coragem era admitida pela teoria dos humores como comportamento análogo à quantidade de sangue que circulava no corpo da vítima. Esta coragem pode ser também atribuida a este conhecimento bárbaro modelando a figura de Siegfried. O grande herói corrompido, uma espécie de ser amaldiçoado pelo destino, neste caso sendo fruto de um adultério incestuoso (assim como Mordred nas lendas arthurianas). Mas o seu destino não foi somente mórbido, foi glorioso! Siegfried era a esperança de Wotan para evitar a precipitação do Götterdammerung, quando Valhalla seria incinerada pelas chamas do esquecimento. Siegfried sempre foi astuto, mas não havia sido grandioso. Era impaciente com Mime, o anão que o criara e que secretamente sabia de toda a história de Siegfried e não o contara. Foi quando o anão lhe contou a história do poderoso dragão Fafner que possuía o Anel de Nibelungen e reforjou a espada Nothung que conseguira com a mãe de Siegfried para fazer com que este matasse o dragão e Mime pudesse se apossar do Anel. Logo que a espada ficou pronta, o herói partiu a bigorna ao meio com um golpe preciso, demonstração de que aquela era a arma apropriada para a batalha. O dragão era o poder absoluto na forma fantástica de um monstro terrível, mas Siegfrieg representava a frieza e a temerariedade daquele que por se reconhecer como superior, se considera conhecedor da vida e poderia arriscar-se sem fraquejar em frente ao mais grandioso desafio. O golpe fatal penetrou a pele escamosa do dragão e derramou uma torrente do seu sangue sobre Siegfried. Este viu que o sangue lhe cobria os dedos e os queimava e instintivamente os colocou na boca. Foi quando pôde sentir. A consciência plena e instantânea induzida por um elixir maravilhoso: o próprio sangue, a sabedoria do dragão foi assimilada por ele numa revelação ritualística, o que o tornou tão astuto que possuiu o Anel e descobriu intuitiva e logicamente quais eram os verdadeiros planos de Mime, que o criou e treinou como um simples instrumento para conseguir o ídolo de toda sua obsessão. Aí está a vontade peçonhenta que mente e manipula para conseguir o que quer. Mas o herói consegue distinguir o falso do real e vê através das máscaras das cobras. Siegdried assassinou Mime rapidamente. Seus objetivos eram maiores. Ele se tornara agora plenamente consciente de seu poder e de como poderia usá-lo desafiando a todo tipo de lei, a tradição, a promessa e as divindades! Siegfried foi um ser livre de medos e de laços, o que o tornava alguém que era senhor de sua própria liberdade, mas ele não escapou das influências das próprias paixões infladas pela vontade ardente e pelo desejo incontrolado. Além disso, nasceu maldito, ele tinha o espírito profundamente altivo e a frieza emocional dos sábios. Teve uma morte trágica, mas com ela, a destruição materializada pelas lâminas de homens traiçoeiros que o acertaram em seu único ponto vulnerável: seu coração. O sangue do dragão supostamente não cobriu este ponto de suas costas pois uma folha havia pousado sobre sua pele pouco antes do sangue escorrer pelo seu corpo. Uma simples folha, uma fatalidade meramente mecânica e causal, ironia mórbida do acaso, ou alguma trama superior ao entendimento terreno? Eis o ponto onde a especulação filosófica racional se parte como numa encruzilhada nas expedições mentais pela filosofia e pela fantasia. A estrada se divide em duas: a do que é estritamente racional e materialista, portanto vazio de qualquer valor e com um fim fatalmente visível num precipício; ou a estrada nebulosa, entorpecida pelas brumas que oprimem a atmosfera com o mistério. O desconhecido é o devaneio, a arte, o delírio, a loucura, é também conhecimento! Profundamente fenomenológico e rico em experiências e idéias extravagantes, pensamentos quiméricos mais aterrorizantes que o dragão Fafner e a genialidade da poesia que expressa em si uma verdade sobre o universo, sobre a vida como um todo. Mas essa experiência, por ser subjetiva e individual, não pode ser garantida por um método de interpretação racional e niilista, torna-se um nada desprovido de existência e reduzido ao esquecimento. Valhalla queimou com a queda de Siegfried. Este mesmo quebrou a lança de Odin, mas antigo dos deuses. É um fim onde não há uma lição de moral manipulada para distinguir o que deve ser considerado certo do errado de maneira absoluta. É um fim onde a destruição dá um fim a tudo, pois é de uma sabedoria não só racionalista que a morte abate tudo que existe. O fim é garantido para tudo que ainda não teve um. Nem homens nem deses permanecem no mundo, não são nem nunca foram matéria em nossa dimensão. Eles são os sonhos, as idéias, as histórias antigas que são contadas sem pretensão de influência, mas que instigam quem as conhecem a deixar sua mente se aventurar neste épico de uma forma não comovida pelo drama, mas inspirada pelo espírito da tragédia.



Esta é uma idéia poderosa quando cai nas mãos dos que não são mais os anciãos bárbaros de um passado distante, mas astutos líderes que transformam a tragédia mitológica numa ideologia nacionalista, provocando todo um povo, hipnotizado pela sua própria ilusão de grandeza num gesto desesperado para se livrar da depressão de uma era de miséria, a entregar suas mentes a um governo totalitário e expansionista. A queda do Terceiro Reich não põe um fim a essa cruzada megalomaníaca pela dominação e pelo poder absoluto encarnada numa figura que nossa cultura adora odiar, Hitler. Este foi um homem, a encarnação de um indivíduo que retirou um povo decadente na baixeza podre da sub-existência. Mas a queda deste não significa o fim do fenômeno, repito. Ele não foi o primeiro e não o último. Porque esses homens não são indivíduos. Eles são grandes figuras construídas como fantoches para inspirar num povo um sentimento completamente devoto aos interesses de uma elite que sempre manipula o fantoche enquanto camuflada pelas sombras. Essas elites não se dissolveram, elas encontraram o ambiente perfeito para estenderem como nunca antes os seus tentáculos pelo mundo capitalista. A criação de ídolos populares adequados às expectativas e ideais (frutos da influência ideológica das próprias elites) é uma estratégia ainda utilizada pelos predadores que dominam a civilização em alcateias extremamente estruturadas. Os verdadeiros líderes ficam nas sombras. Quem representa são os fantoches, manipulado pelo interesse mais primitivo do homem: poder. O Anel de Nibelungen de nossa era não passa de papel. Dinheiro. Vulgar, frágil, sem qualquer valor, mas capaz de comprar qualquer maravilha. Quanto mais avança o sistema, mais sem importância se torna o dinheiro em si, mas o crédito, a opressão, a escravidão e a dominação, o exercício de um poder absoluto que nega qualquer construção social de Estado de Direito e é ligada a essa obsessão primitiva já retratada nas mais antigas histórias. A ganância de Mime, que criou e manipulou Siegfried desde seu nascimento, mas não contava com sua voraz superioridade. O sangue de dragão do herói não é algo para ser modelado por qualquer axioma ascético e utilizado para satisfazer os interesses de um Demiurgo material. Mime nunca ensinou o medo a Siegfried, que sempre alimentou uma curiosidade sobre este sentimento que era tão misterioso para ele. A poção é o símbolo da destruição. Destino inevitável de tudo que existe. Aqueles que a ingerem podem fazer duas escolhas: ter a audácia de percorrer as neblinas do caminho do lobo tendo o conhecimento de que as brumas também o levarão ao precipício... ou se arrastar por uma longa existência numa densa ilusão forjada da pureza de um delírio. Servindo finalmente de sacrifício para alimentar a máquina de um Valhalla corrompido.

"Woher ich stamme,
rate mir noch;
weise ja scheinst du,
Wilder, im Sterben:
rat' es nach meinem Namen: -
Siegfried bin ich genannt. "

(Siegfried, Der Ring des Nibelungen; Richard Wagner)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Homo homine lvpvs



O palco está pronto para a tragédia primitiva: A traição, o ódio, a ganância, a ira, a vingança, a loucura... todas as facetas primordiais do homem. Seus pecados naturais, sua inclinação viciosa para o infinito. Uma fome de destruição, a cólera crepita no coração negro daqueles amaldiçoados por seus atos. A necessidade crescente que gesta o predador cruel não se sacia perante e reduzida a si mesma. É preciso expandir, conquistar, dominar e consumir. Como Fogo do Inferno deve se alastrar pelo universo e reduzí-lo ao zero. A não existência perfeita. Para atingir este fim sinistro, nenhum obstáculo é intransponível. Sua vontade aristocrática se impõe facilmente sobre os cordeiros e outras presas fáceis. Suas vidas limitadas não são páreos para seu conhecimento voraz. Todas as finas cordas metálicas arranjadas para manipular as marionetes vazias são puxadas com maestria. O contato com outros predadores é sempre intenso. A hostilidade é constante, mas atenuada pela máscara orgulhosa do calculista. Talvez consiga daqui um aliado, um inimigo, uma presa ou uma cópula. Às vezes, os papéis se confundem. É preciso dominar despoticamente aqueles mais fracos do que si. A selvageria do cenário urbano com seus prédios e construções decadentes, neons e manadas de bufalos motorizados, é mais próxima da natureza animal do que uma presa fácil pode imaginar sobre o mundo que a rodeia. O liberalismo livre e tirânico proporciona a catarse do indivíduo em sua condição essencial. Sozinho e pronto para morrer. Servir e obedecer e alimentar a máquina com suas cascas vazias, nem mesmo os fantasmas de seus egos aparecem vagamente no éter. O crime institucionalizado e alienante controlado por figuras decadentes e mesquinhas, predadores gananciosos demais, glutões malditos banqueteando-se na liturgia do poder. Mecanismos de opressão e exploração são evidentes para aqueles que não foram infectados pelas ideologias e valores morais que troçam da liberdade.
O lupino humano sempre espreita pela sombra ou na nevasca, esperando a oportunidade para desferir a investida fatal contra seu semelhante, não obstante os apelos metafísicos de profetas escravos. Mas é o momento propício, o Universo se expande como uma refeição infinita de entranhas. O sangue vermelho é negro, exceto quandro brilha ao luar pálido e insistente. A esfera celeste branca oprime a vontade e atormenta os sonhos. As feras devem caçar. A temporada está aberta. Os disformes e pontiagudos dentes dos lobos retalharão suas presas. A lua ilumina a carnificina como o olho de um demônio. O terceiro olho de um louco é a lua. Saber demais, querer demais. Não há mais tempo para maquinações, o espetáculo deve começar de uma vez por todas. Atores não fingirão, as máscaras cairão. As fantasias serão esmagadas pelo punho de ferro indiferente da verdade. Ao fim deste espetáculo, as cortinas não fecharão, nem as feridas profundas em sua alma e em seu corpo. A escuridão abissal de suas pálpebras encerrará sua patética existência. Devorarei em seu último suspiro o miasma fétido do seu Ser. A lua é impaciente, os deuses estão mortos. Gargalho com escárnio do poder que me inspira. Um poder mais forte que a vontade: maldição! Sangue negro e rançoso escorrerá pelas calçadas e canais nas cidades da civilização, império brutal de Fenrir.


"Get it up, get it down til you hit the ground,
Get a rude attitude, turn the world around,
Shall we see, shall we disagree,
All In The Name of Tragedy"

- Lemmy Kilmister


domingo, 1 de novembro de 2009

Olhos Vítreos

És uma Dama sedutora
De olhar frio e distante
Fragmento de uma visão aterradora
De sonhos febris
Minha sanidade vacilante e infeliz

Pele alva, muito pálida
Monumento cheio de loucura
Ferve meu sangue
E indiferentemente, me tortura

Uma presença desafiadora
Um jogo perigoso
E um ideal perdido
Alimentam a tentação controladora

Somos predadores por natureza
Os pecados são armas inatas
Seus falsos vícios são virtudes
Sua astúcia rivaliza a minha, mordaz

Sonhos sádicos de dominação
A vontade de lhe derrotar
Consumir, possuir
Alimentam a chama de minha paixão:
maldita

Fora de meu alcance
Conhece cada nuance
De minha idealizada
Musa decapitada

Hiperbórea Valquíria guerreira
O conforto ascético e ansiado
Ilusório numa vida sem honra
De um espírito por si mesmo envenenado

A tensão frágil da mentira
Não suportará a minha ira
Basta! Devo decidir:
Sacrifico a mim ou a ti?

Não é um grande dilema.

"It's a wicked game to play..."
- Chris Isaak


sábado, 31 de outubro de 2009

O fleuma incandescente

Entregou-se há muito tempo
A uma postura fria
Fartou-se logo
Da jornada prosaica e inócua da vida

Encontrou a linhagem de uma classe dominante
Não em seu sangue, mas no pensamento
Uma aristocrática superioridade
Compartilhada por opressores despóticos

Sentia-se um rei misturado à podridão
Dos escravos miseráveis e doentes
Maculado com a merda e a estupidez
Daqueles que servem a um mestre ilusório

Fez-se frio e indiferente ao miasma acre
Que brotava daqueles cérebros cancrulentos
Mas não podia mais suportar o cortiço imundo
Daqueles que deveriam estar o servindo

Como outros imperadores solitários que calculam friamente
Sua ascenção ao poder de forma lasciva e cruel
Absteve-se da vida vazia e limitada dos sans culottes subservientes
E entregou-se resolutamente à natureza de predador

Mas seus humores doentes, infectados
Pela praga causal da exposição ao submundo
Lhe inflingiram um castigo terrível
O desprezo pela própria existência anônima
O fez atirar-se a um oceano estático

Pântano lodoso, negro como sua própria bile
A estupefação dos vícios sensoriais
E o vôo de Ícaro sob a luz da Revelação
O fizeram mergulhar pesadamente
Nas águas tenebrosas da loucura
Inerente a seu espírito anômalo

Quando não fuma, bebe
Entrega-se facilmente às tentações
Mundanas e ilusoriamente transcendentais
Deu um golpe em seu próprio domínio
E escravizou a própria mente

Revoltado com a condição decadente de
um anjo maldito caindo de um paraíso perdido
e artificial
Devotou-se cruelmente à calmaria calculista dos líderes
Bárbaros do passado

Ainda em meio à vulgar existência fragmentária
Ele espera, contendo um turbilhão de cólera
Preparando suas presas para um abate voraz
Quando o líder nato troçar dos falsários
E lhes impuser um trágico fim, consumido pelo fogo da ira.





quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Delírios coléricos




"Nous avons psychologisé comme les fous, qui augmentent leur folie en s’efforçant de la comprendre."
- Charles Baudelaire


terça-feira, 20 de outubro de 2009

Olhos Profanos

"That is not dead which can eternal lie
And with strange aeons even death may die"
- H. P. Lovecraft




Contemplo o mundo em excesso de existência. Nada, simples como uma cor, contém a si mesmo e é completo. As cores parasitam umas às outras, de forma que nunca contemplo o céu livre de suas infecções em padrões psicodélicos. Pulsando, piscando, morrendo e matando em velocidade monocromática. Um espetáculo indescritível de luzes fantasmas que coexistem com o abismo negro de minhas pálpebras. Algum desarranjo das células cônicas, talvez um sintoma de catarata prematura. Química anômala induzida por substâncias invasoras e corrosivas que alteram a percepção do mundo. Tudo isto interpretado pela lógica das idéias quiméricas, as quais este insone onirismo me inflinge, e assim infectado de pesadelos terríveis e fractais etéreas infinitas. Desafiam as leis da natureza e se tornam um risco à razão. Linhas sem fim, voláteis: deslizam fritando em minha mente e a imagem é uma mera ilusão. Pode um homem confiar nestes olhos profanos? Como no conto, o homem contempla a beatitude do sol e não podendo suportar tal intensidade luminosa, é cegado pelo esplendor da existência completa. Mas ele luta, esforça-se e supera a cegueira inicial, alçando sua consciência a uma nova interpretação, mais perfeita, evidente e restrita, mas profundamente rica. A visão panorâmica da paisagem sob as luzes policromáticas e aparentemente vivas revela o lado que apesar de recheado com ilusões psicodélicas extasiantes é em si verdadeira mente sombrio. Escuro como noites de assassinato, lá está o abismo presente e constante na mente inebriada do romântico comedor de ópio. Delírios febris paranóicos e bruxuleantes açoitam a consciência fragmentada com medos irracionais e abstrações incognoscíveis. Mitologia lisérgica pagã vive e pulsa soberana dividindo a consciência em principados autocráticos. A destruição que traz a devastação completa da sanidade acontece acompanhada da marcha triunfal de um eu interior e alienígena que se rebelou contra o ego. Anjo caído que abandona o paraíso perdido da razão. O arquiteto cai, morto. Ourreason decadente, se suicida impotente e expele os fluídos da podridão pelos buracos e feridas de seu corpo imaculado. Sangue e merda alimentam as quimeras que violentam e queimam a minha consciência. O Universo incabível infinito e limitado dentro do meu crânio entrou em colapso. Buracos negros supermassivos, assassinos da existência, engolem vorazmente as lembranças e os sentimentos, o estado fundamental é dilacerado. A Queda é sutilmente assimilada e meu espírito se desfaz no éter. Restam estes olhos profanos que ornamentam a mortalha tísica como rubis fleumáticos sem brilho. Injetados de sangue, por trás de lentes escuras, eles continuam a observar silenciosamente. Enviam, pateticamente, as imagens distorcidas de um mundo vil para este vácuo onde nada pode existir. Uma estátua vazia, sem espírito e sem razão, que já viveu um dia.



"E Fuzon convocou então
Os filhos restantes de Urizen
E a terra oscilante abandonaram
Denominaram-na Egito & se foram.

E vastas Vagas salgadas o globo envolveu."
- William Blake (O Livro de Urizen, 1794)


sábado, 10 de outubro de 2009

La bile noire

"Vai prum convento. Ou preferes ser geratriz de pecadores? Eu também sou razoavelmente virtuoso. Ainda assim, posso acusar a mim mesmo de tais coisas que talvez fosse melhor minha mãe não me ter dado à luz. Sou arrogante, vingativo, ambicioso; com mais crimes na consciência do que pensamentos para concebê-los, imaginação para desenvolvê-los, tempo para executá-los. Que fazem indivíduos como eu rastejando entre o céu e a terra? Somos todos rematados canalhas, todos! Não acredite em nenhum de nós."
- Hamlet



(Magritte, O prazer)

Um desequilíbrio químico, mal passageiro. O excesso de bile negra confunde a imaginação delirante do enfermo e faz emergir, como a carcaça de um encouraçado apodrecido das profundezas negras de um oceano abissal, a demência predatória. O comportamento se torna hostil, a pele fica pálida e o corpo adoece. Um ódio antinatural queima as entranhas e ofende os familiares. A astúcia aguçada pela paranóia latente e os sentidos abalados, mas constantes. O miasma fétido da decadência espiritual se mistura ao odor da fumaça constante e faz da mente um laboratório sádico de alucinações violentas e desejos infames, mil teatros de tragédias tenebrosas se esboçam num sorriso cruel. Tudo alimenta a pira selvagem que ordena possuir, consumir, dominar, oprimir. Afirmar a vontade autocrática soberana de um monarca solitário confinado nas masmorras de sua própria patologia. Não vejo pessoas, vejo presas. As maquinações criminosas produzem o estupor lamacento da maldição eterna, a maldição primeira! Seu principal fetiche é o assassínio. Afia as lâminas do prazer despótico e primitivo. Seja vingança, desprezo, surto ou embriaguez, qualquer destas fontes é fértil e suas crias, as pragas da loucura, inoculam o veneno em mentes virtuosas e joviais. O coito criminoso é brutalmente planejado, a sede é incontrolável. Ou estas garras cravam-se sem piedade no pescoço de um cordeiro inocente, ou elas cortarão a garganta do próprio demônio. O sangue negro então violará o solo materno da natureza que o abortou sob o estigma misantrópico da besta rapineira.


"Tempo cúmplice, mãos hábeis - e ninguém vendo nada;
Tu, mistura fétida, destilada de ervas homicidas,
Infectadas por Hécate com tripla maldição, três vezes
seguidas,
Faz teu feitiço natural, tua mágica obscena,
Usurpa depressa esta vida ainda plena"

- William Shakespeare

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Blow

"She don't lie, she don't lie, she don't lie;
cocaine."

- JJ Cale



George Jung é o nome de um dos maiores traficantes da história. Nascido em Boston, Massachusetts, "Boston George" experimentou marijuana na California, onde em 67 teve uma viagem muito chapado em que imaginou o lucro incrível que teria se usasse sua namorada aeromoça para transportar maconha. Logo, estava negociando com um poderoso fazendeiro mexicano numa jogada que lhes rendia U$250,000 dólares por mês. Foi quando entrou em cana.

"Judge: George Jung, you stand accused of possession of six hundred and sixty pounds of marijuana with intent to distribute. How do you plead?
George: Your honor, I'd like to say a few words to the court if I may.
Judge: Well, you're gonna have to stop slouching and stand up to address this court, sir.
"George: [stands] Alright. Well, in all honesty, I don't feel that what I've done is a crime. And I think it's illogical and irresponsible for you to sentence me to prison. Because, when you think about it, what did I really do? I crossed an imaginary line with a bunch of plants. I mean, you say I'm an outlaw, you say I'm a thief, but where's the Christmas dinner for the people on relief? Huh? You say you're looking for someone who's never weak but always strong, to gather flowers constantly whether you are right or wrong, someone to open each and every door, but it ain't me, babe, huh? No, no, no, it ain't me, babe. It ain't me you're looking for, babe. You follow?
Judge: Yeah... Gosh, you know, your concepts are really interesting, Mister Jung.
George: Thank you.
Judge: Unfortunately for you, the line you crossed was real and the plants you brought with you were illegal, so your bail is twenty thousand dollars."

(Blow, 2001)

Na cadeia, conheceu seu mais duradouro parceiro que o introduziu ao tráfico de cocaína. Nos anos 70, 80% da cocaína vendida de San Francisco a New York tinha origem nos acordos de Boston George com o Cartel Mendellín na Colômbia. Casou-se, teve uma filha, comprou mansões, hotéis, festas, pessoas, levou um tiro, uma overdose, um ataque cardíaco e quando foi traído pelo hermano perdeu tudo isso e mais. Durante os anos 80, matava seu tempo às vezes vendendo pó para metade dos Estados Unidos e às vezes contemplando sua cela em prisões federais. Hoje, Jung tem sua liberação projetada para 2014, quando terá 72 anos.

Em 2001, o filme Blow, apesar de ter o formato de um enlatado hollywoodiano qualquer, mostra na pele de Johnny Depp a vertiginosa jornada de um homem que conquistou uma grandiosa fortuna e fez nevar cocaína nos Estados Unidos.



"Danbury wasn't a prison, it was a crime school. I went in with a Bachelor of marijuana, came out with a Doctorate of cocaine."

"Dansbury não era uma prisão, era uma escola do crime. Eu entrei com um bacharelado em maconha e saí com um doutorado em cocaína."


terça-feira, 8 de setembro de 2009

I did it my way...

"I have wiped entire civilizations off of my chest with a grey gym sock"
- Bill Hicks



A civilização de uma raça que veio do mar, passou pelo anfíbio, pelo símio, e por fim o Homo sapiens. Uma espécie brilhante. Esta dominava as técnicas de mudar o ambiente ao seu favor, alguma organização social, conheciam os animais, usavam ferramentas diversas e adaptáveis a diferentes climas, regiões e biomas. Mas isso não era o bastante. A evolução deve nos ter pregado uma peça. A maldita evolução nos odeia, ou melhor, a natureza deve ter algum tipo de desejo suicida. Surgiu da eficiência do seu anterior, o Homo sapiens sapiens; que já não é o homem que sabe, é o homem consciente do saber. Consciente de si mesmo antes de todo o resto. A dicotomia entre o subjetivo e o objetivo surge aí. Devido a este fator, nossa antes consciência coletiva animal, formadora de grupos sociais e tendendo a uma continuidade da espécie, havia renunciado seu trono no cástelo de matéria cinza que administrava a percepção. Mas administrava de maneira difusa, enquanto o sujeito sentia que os seus pensamentos, sua visão, suas experiências, sua persona; tudo isso estava mais presente na consciência, se colocava de maneira primária. Virou os olhos do sujeito para dentro do crânio e os fez fixarem um amontoado orgânico e acinzentado coberto de sangue. Fez o seu olhar voltar-se para dentro de si. Essa era uma preocupação desconhecida ao hominídio ancestral. O primata observa o mundo à sua volta, e aprendendo a partir de sua experiência segue sua vida tomando cuidado somente com o que poderia colocar em perigo sua sobrevivência e a dos filhotes. Mas com o surgimento do ego, outras informações juntaram-se a essas e as suplantaram. Informações sobre o ser que se contempla estranho, não correspondente com a realidade, disfuncional. A desorientação ao constatar sua própria existência assim como as coisas que no mundo natural existiam vinha de um desconforto, uma angústia com essa condição. A partir de então o sujeito se torna isolado dentro de si, entregando-se aos caprichos aleatórios da vontade humana. Surgiu o sentimento de identidade que é individual e não coletivo. Como um ser pode vir a contemplar sua existência? Não é muito fácil, poucos conseguiram (e até hoje poucos realmente conseguem, o que é lastimável), mas estes, ao arriscarem-se a pensar e forçar o cérebro a se desenvolver. Surge a Razão: o racionalismo é o método epistemológico do questionamento do que se dá à percepção. Para estudar o mundo, o homem precisa percebê-lo não só através dos sentidos, mas processá-los e procurar essências e padrões do mundo natural de maneira a simplificar suas árduas atividades. O problema apareceu quando o homem voltou este olhar crítico para si. Desde o primeiro de nossa espécie até hoje, pessoas nascem, vivem e morrem sem ter consciência de que existiram. Bons são eles, eles são os responsáveis pela continuidade biológica da raça. Miseráveis desempregados alcoólatras que espancam e estupram suas mulheres, filhas, irmãs ignorantes e dopadas, que, imbecis o suficiente, decidem por ter o maldito bebê. Eis porque a população infecta esse mundo como uma doença letal consumindo incessantemente, fornicando a toda hora e se espalhando por cada lugar desse vasto planeta. Sintam-se orgulhosos. Sugando a Terra diretamente pela veia, inoculando o veneno no sistema, o ser humano conseguiu dominar a terra. Um animal médio, de pele lisa, postura ereta, sem armas naturais. Sua única arma natural seria o cérebro, se ele o usar. Esta situação está sendo panfletada da forma mais patética por ativistas ambientais, partidos sociais, corporações maquiavélicas, hippies falidos e simplesmente imbecis. Antes de destruir o ambiente, uma espécie cujo toda produção civilizatória, progressista e inovadora é baseada num intrínseco sistema neural que consiste em usar da Razão como ferramenta para estuprar o mundo ao seu redor, essa espécie selvagem não deveria antes acabar consigo mesma? Como se o vazio de sua natureza se abrisse num buraco negro e o sugasse para dentro da própria existência. Que tipo de ser que duvida de si mesmo pode vencer na cadeia alimentar e dominar outras espécies? A angústia da auto-consciência é o que projeta o racionalismo desconstrutor para o mundo de maneira mais cruel e ressentida. A espécie agora volta seus olhos para a natureza não como seu lar, mas como sua propriedade. Livre para ser explorada, estripada, e ceder seus recursos para a construção de algo mais grandioso: os obeliscos fascistas da civilização. Mas enquanto a constrói a partir de uma solução de concreto e entranhas da natureza, o homem não está satisfeito. Ele não se sente completo. Ele está sozinho, afinal, confinado ao seu cárcere individual. Pensar e racionalizar métodos de exploração não eram o suficiente para este homem. Algo deveria dar certeza aos homens sobre tudo aquilo que pensavam. Aí surgem os mitos. Complexas mitologias baseadas nos elementos da própria natureza e da condição humana tinham criaturas antropozoomórfica como divindades presentes de maneira inconcebível, escondidas do olho humano. A partir daí, o homem dá sentido à sua existência por se ver pequeno, impotente, e solitário frente aos seus semelhantes e a natureza. Mas o homem é incansável e o fogo que queima em seu coração negro deseja se alastrar pelos caminhos do corpo e consumir o mundo exterior. Surge a filosofia na Grécia antiga pré-socrática. A filosofia procura constatar a validade dos valores atribuídos. São os deuses bons? maus? Isso seria infantil demais para o filósofo. Ao invés de se colocar de uma vez na mitologia e tentar classificá-la ele se preocupa antes em arrancar as pétalas desta flor tóxica: bem e mal. De onde isso viria, um mistério. Mas de qualquer forma era algo que estava ausente na realidade. Juizos de valor baseados em frágeis experiências subjetivas projetadas sobre o objeto, que absorve suas mais ínfimas características aos olhos do observador: a verdade não jazia nestes valores. A palavra verdade é importante porque é a própria natureza e propósito do objeto, é como contemplá-lo de forma clara e imaculada. Esta foi a principal preocupação dos mais famosos filósofos gregos. Quando isso se aplica à perspectiva ontológica, é impossível discernir a subjetividade de algum vago tipo de objetividade pessoal. Não há chão. O homem se contempla sem poder nem julgar a si mesmo. Ele não deveria ter de julgar se é bom ou mau, útil ou inútil, forte ou fraco. Estas construções subjetivas se tornavam portanto parte de uma imagem de si que o cérebro possuía objetivamente. Ou seja, ele se definia a partir da própria percepção falsa de qualidade, enquanto nada disso possuía qualquer base de certeza racional. O filósofo cristão Kierkegaard escreveu que nesta situação em que o homem se encontra no abismo de sua falta existencial, ou ele se entrega a uma idéia ascética que o tira do abismo, como a deus; ou se entrega ao abismo e cai na autodestruição e ultimamente no suicídio. É óbvio o caminho que ele escolheu. Houve então um resgate do mito, uma crença pretensamente baseada em conhecimento racional válido afirmando que em seres, energias ou influências existiam em uma natureza substancial que dava certo grau de verossimilança à sua própria existência. Assim como algumas figuras na mitologia, mas superando a elas, o homem pode enxergar uma verdade eterna em que se baseia todo conhecimento reluzente e fora do alcance da interpretação humana. A metafísica ganha mais força. Portanto, quando ocorre o oposto e o homem não procura por uma base metafísica, ele percebe que se ele mesmo é vazio e não pode afirmar nada sobre si mesmo. Isento de qualquer qualidade inerente, como ele pode ter uma certeza tão matemática e explícita do mundo ao seu redor? A matemática não está presente na realidade. Ela obedece a leis humanas aplicadas como uma projeção subjetiva à objetividade, se ajustando e se desenvolvendo com diferentes propósitos. Mas ela não revela significação. Assim como qualquer lógica concebível provém dele mesmo e não do mundo, como o mundo pode ser classificado de acordo com algo que não o pertence? Eis o primeiro niilista. Não possui crenças, portanto não possue moral. Princípios e valores são ainda mais sintéticos e ele também não os possue. Sua conduta é indiferente às crenças de um coletivo tão vazio quanto o mundo e as próprias construções deste. Não conhece regras, normas ou subordinação social. Mas ele não é simplesmente um andarilho louco e enclausurado numa neblina de incerteza e desistência apática, o ego ainda existe e ele incha como um fígado doente fazendo o sujeito se sentir superior por contemplar a falta de qualquer verdade no Universo. Mas como pode ele se julgar superior e dizer que "a falta da verdade" é uma verdade em si? Ele segue um estilo de vida e possue uma mentalidade muito contraditórios e auto-destrutivos. O paradoxo do niilismo está aí. Uma raça vazia realmente deveria perecer em sua mediocridade, mas ela ainda respira. Ele sabe que seus atos não têm qualquer origem em uma conduta regida por um conceito de verdade, isso não passa de uma simples piada para este homem. Ele FAZ a verdade agora, mas ao contrário dos demais alienados, ele conhece o absurdo da ação. Ele age porque quer. Obedecendo aos seus impulsos, sua ganância, sua sede de prazer, sua afirmação da personalidade. Aí está novamente a vontade (de poder) como motor que faz a unidade entrar em movimento. Desta forma ele se torna um homem que não compartilha da consciência coletiva sintética criada pela rede de mentiras de qualquer moral, porque toda moral é metafísica. Descartando a ilusão de grandiloquência espiritual e conexão com o divino, o homem se reduz à sua própria insignificância de parasita, uma grande barata na calçada suja da cidade. Em meio a todo o lixo cósmico de detritos, gases e luzes da galáxia, nosso herói prospera predando aqueles mais ingênuos que se apresentam oportunamente em seu caminho e crescendo com isso.

"We're trapped in the belly of this horrible machine
And the machine is bleeding to death"

- Godspeed You! Black Emperor



Civilização é todo um conjunto de entidades físicas estabelecidas para a raça humana como um ambiente organizado e harmônico voltado para o progresso. Mais poderosas e perigosas que estas entidades, são as que não tem qualquer aparência física e provém diretamente da engenhosidade imaginativa. As bases ideológicas da sociedade determinam o "dever ser" de cada um. Deve-se ser educado, civil, patriota, religioso, trabalhador e submisso ao sistema. Tudo isso nutre e mantém as gigantes máquinas que balançam suas tetas da alienação. Política, economia, história e filosofia são algumas das ferramentas que aprimoram a welt anschau (visão de mundo) e adaptam-na ao conhecimento dos fenômenos da vida social. O legado humano é uma eterna competição de tudo contra todos para impôr sua verdade, fonte da ação legítima, sobre da vontade de outrem. Os vencedores positivos são aqueles que vencem, predam o outro e conquistam este desafio. Hoje temos uma política que se diz democrática, mas é ditada pela minoria aristocrática dos milionários vendidos e comprados por outros milionários e corporações de milionários. As grandes corporações já se infiltraram e têm seus tentáculos fixos nos monumentos da política. Um de seus mais notórios mecanismos é o lobby. Como este sistema prospera acima de qualquer outro é relativamente simples. O sistema liberal capitalista é aquele que permite a atuação desmedida da natureza individualista, gananciosa e destrutiva inerente ao ser humano enquanto se contempla como tal. A propriedade privada, livre iniciativa e a liberdade de lucro serviram para afirmar que o vencedor é o que domina, enquanto o oprimido continua rastejando historicamente no poço de merda de toda a espécie. O cenário perfeito para o caos brotar como uma erva daninha devoradora e implacável sobre a face deste já podre planeta e acabar com o indivíduo e com o todo. Viver o niilismo é impossível, cria um paradoxo filosófico inaceitável de forma racional, mas manifestá-lo enquanto agente destruidor (desconstrutor) era possível e o homem percebeu que era bom. Verdades cruas e nojentas caem aos nossos pés todo dia denunciando a corrupção, a discórdia, o pecado, o crime, a doença, a fome, a peste, a guerra, a morte como grandes males da civilização, mas estes são males ontológicos inerentes à espécie. Somente aqueles que não foram intelectualmente selecionados para dar continuidade à raça humana medíocre conseguem contemplar, da boca do lixo. Contemplam estas simples verdades que não são nem um pouco metafísicas, mas físicas e factuais. O predador social solitário e oportunista, o misantropo nauseado, o governista mentiroso. São estas algumas das figuras cobertas de podridão que não vão contra a máquina do Estado porque não são contrários a ele. Muito pelo contrário, sobrevivem do sistema! Eles predam este mesmo sistema e prosperam com isso escalando vertiginosamente a montanha de corpos até o pico, onde morrerão sem cerimonias e despencarão da pilha como mais cadáveres inertes que apodrecem e alimentam a máquina.

O sistema é ideal enquanto dá vazão aos sentimentos de desejo de opressão do indivíduo e como um coletivo sintético patriótico ou regionalista. Países que prosperaram sempre foram aqueles que dominaram com muitas mentiras, crueldade, extorsão e violência sem qualquer pudor. Os desenvolvidos enfiaram suas garras e fizeram dos países pobres sua fonte de nutrição. Os Estados Unidos da América, com seu longo histórico de revolução, nacionalismo, protecionismo, hipocrisia, ideologia e oportunismo foi simplesmente o mais eficiente enquanto dominou, junto com gigantes econômicos europeus muito mais antigos, os continentes de etnias pretensamente inferiores e não civilizadas. O fardo do homem branco civilizador e avançado ainda está presente no imaginário popular contemporâneo. Séculos de opressão ficarão impunes? Vemos hoje este império imponente como a águia, seu símbolo, com uma asa quebrada sendo cercada por representantes das mais variadas espécies que já predou durante seu império. Todo tipo de praga e animal peçonhento - e também dos outros predadores de rapina ardis o suficiente para se aproveitarem da situação -. É uma revolta de ódio oriunda de uma vontade de poder reprimida por milênios de escravidão braçal e moral que cresce de maneira passiva agressiva até que estoura além do próprio controle disparando fogo e chumbo para todos os lados. Não sobra nada.

Hoje a globalização e a evolução da comunicção tornaram o conhecimento um mercado. Aberto a todos, mas só funciona bem para aqueles que conhecem os mecanismos, que antes de pertencerem aos meios da comunicação, pertencem à própria comunicação. A interpretação, conhecimento da natureza subjetiva e a influência de idéias sobre massas de pessoas. Falácias bem sucedidas inoculadas por psicólogos, palestrantes motivacionais, líderes religiosos, marketing, cultura popular, discursos políticos. O poder dessas palavras está em constante viagem por todo planeta. Todas as nações são informadas de tudo que acontece no mundo, não é maravilhoso? Até as classes mais pobres ganham acesso à Internet. A humanidade já conhece esta realidade há décadas, já não deveria ter realizado qualquer revolução? Isso deveria abrir os olhos da massa inerte que observa alienada o desfile de aberrações que desliza pelas ruas. Mas não acontece assim. Algo importante a destacar é o fato de que a indústria da comunicação é em si um negócio dividido predatoriamente pelas corporações que a compõe e a comandam. Tudo que você lê foi escrito e disponibilizado com interesses ocultos que alimentam alguns poucos suínos humanos anônimos e engravatados. Até mesmo este blog. Esta é uma das oportunidades das quais as pessoas se aproveitam, principalmente os astutos que conhecem o funcionamento do maquinário. O mundo ainda não pensa, mas existem estes que se livram da fantasia social plausível e cômoda e disseminam destruição por diferentes meios. Cada um com seus objetivos individuais, não trabalhando pelo progresso coletivo da civilização, mas pelo seu declínio.


"For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has not
To say the things he truly feels and not the words of one who kneels
The record shows I took the blows and did it my way!"

- Frank Sinatra (composição de Paul Anka)


sábado, 5 de setembro de 2009

Inferno grego versus Lei 13.541

Lugar sombrio de tormento abaixo do paraíso, da terra e do Pontus, há um tártaro, lugar eterno de punição e condenação. Este maquinário mitológico de Destruição perpétua estava até mesmo embaixo do Hades. Um lugar tão longe do sol e tão profundo na terra, o Tártaro é coberto por três camadas de noite. É um lugar pegajoso e hostil engolfado de viscosidade mórbida. É um dos objetos primordiais vomitados pelo Caos (junto com Gaia e o Amor). É uma substância presente em poços na própria terra. Ainda hoje encontram elefantes, mamutes e outros grandes animais afundados e mortos, preservados em poços de tártaro. Essa viscosidade fétida também está presente (surpreendentemente seca) no cigarro, como a alcatrão. Também é uma condição bucal deplorável.



Agora a perseguição é aos fumantes. Eles nos proíbem e nos castram cada vez que podem e cada vez mais. Acredite, logo não se poderá fumar nem embaixo de toldos numa chuva forte. Antes fumavam os elegantes. Hoje fumam os junkies, os fodidos, os suicidas indulgentes. É mais difícil um jovem em plena puberdade voltar-se ao fumo: ela ainda não é inclinada para o suicídio. Não é ainda um desiludido destruidor nem enfrentou um tédio tão absurdo que permitiu que encontrasse vazão de suas frustrações no fumo. Sendo assim, a presença do fumante não influencia, como antigamente, que outros no local, admirados, venham a fumar. Não há mais elegância. Agora é de conhecimento público o compêndio de males e toxinas contidas num só cigarro. Com toda essa informação, um cidadão exemplar e institucionalizado não compraria uma carteira de cigarros procurando prazer. Ele procura comidas saudáveis, sucos naturais, vitaminas, minerais ou qualquer merda embalada pra vender com esse pretexto. Tudo isso pra viver e viver pra sempre. Além dos poucos fumantes meramente influenciados pelo momento, o fumante consciente sabe da destruição que está impondo a si mesmo e não tem vontade de parar. O vício é uma mera consequência e seu valor é desprezível. O veneno é um fluido marrom, teimoso e maculante, a substância que quando queimada libera o característico odor acre do cigarro, tanto quanto o tabaco, que por sua vez é agradável. É o tártaro que mancha os dentes e causa infecções na gengiva. O fumante sente isso, sabe disso de qualquer forma. Sabe das doenças, do futuro enevoado e dos sintomas que já se fazem presentes sem esforço. O fumante, antes de causar a destruição do planeta infectando a atmosfera com a fumaça de um cigarro, polui bem menos que qualquer carro, moto, caminhão, entre outras máquinas combustível fóssil. Esta fumaça obviamente muito mais volumosa causa doenças e envenenamentos que um fumante excessivo só sofreria em décadas de tabagismo. Então faz-se uma pomposa lei que proíbe o fumo no interior de estabalecimentos fechados por uma questão de saúde pública. Que piada! Se querem proteger a saúde, um controle do tráfego, da poluíção indiscriminada de fábricas, veículos e queimadas muito mais constantes que os fumantes não seria muito mais primordial e coerente? É fazendo com que as pessoas esqueçam destas verdadeiras fontes de doença corporativas que se gera o auto engano hipócrita com a idéia de que a pessoa estará mais saudável num ambiente proibido aos fumantes, mas quando sai de lá, se infecta num ambiente global pior ainda. Neste ambiente, nem ele se importa. Ele não se importa com a fumaça de sua churrasqueira, com o escapamento do seu carro, com a indústria que produziu todos os bens que ele possui, ele não dá a mínima e acha que contribui ecologicamente de maneira exemplar. Mas quando vê o fumante, ah, o senhor careta aproveita pra crucificá-lo como autor dos atos mais terríveis contra ele e a humanidade. O fumante pratica o tabagismo por opção pessoal, liberdade pessoal. Todos estão se destruindo e perecendo a todo momento e fingem que não. O fumante simplesmente contempla esta realidade e aceita, num contrato consigo mesmo, se intoxicar um pouco mais e lhe causar certo prazer. Então deixe o fumante curtir seu inferno grego tartáreo e procure o elixir da sua própria vida em suas dietas livres de gorduras e radicais livres. E ao sentir uma protuberância estranha sob sua pele, não minta a si mesmo: é um tumor.



"Tobacco is my favorite vegetable"

- Frank Zappa

It's a war on personal freedom

"On my back and tumbling
Down that hole and back again
Rising up
And wiping the webs and the dew from my withered eye"

- Tool




"See, I think drugs have done some good things for us, I really
do, and if you don't believe drugs have done good things for us,
do me a favor. Go home tonight and take all your albums, all
your tapes, and all your CDs and burn 'em. Cause you know what?
The musicians who made all that great music that's enhanced
your lives throughout the years? Rrrrreal fuckin' high on
drugs.(...)"

"Today a young man on acid realized that all matter is merely
energy condensed into a slow vibration, that we are all one
consciousness, experiencing itself subjectively, there's no such
thing as death, life is only a dream, and we're the imagination
of ourselves. Here's Tom with the weather.(...)"

"It's not a war on drugs, it's a war on personal freedom, is
what it is, okay? Keep that in mind at all times. Thank
you."

- Bill Hicks


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Fullmoon Tango



A embriaguez é cruel. Mas a sobriedade é vulgar. Somos aristocratas do lixo. Então dancem, todos vocês. Sob a luz da lua, dancem os complicados passos da sensibilidade onírica. Somos toureiros acima de dançarinos. Dançamos com os touros nos velhos picadeiros. Nossa arma é a astúcia e o poder de manipular um animal grosseiro e mortífero. Quem será/o que será? Somos guerreiros temerários, sabemos do chifre, queremos a dor. Vencemos com os aplausos do povo - mas desejávamos ter perdido -. Então se contempla com desprezo a carcaça inerte do animal. E a superioridade total do mescalero muerto. Ele, que é o pária e o torero, é um ator trágico nele mesmo. Encenando sem mentira o espetáculo lúgubre de sua existência.

"Deus é um junkie autodestrutivo."


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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Será o nada algo?




Muito estranho. Pensando na teoria mais aceita cegamente, opa, cientificamente de que o Big Bang é uma explosão de energia. Mas antes da existência existe algo, então. A energia. Ela que compôs ou compõe a tudo. Uma energia destrutiva claro. Se nada existia, esse próprio nada devia ter energia. Para destruir, impedir existência. Ou acabar com ela. Manter a energia pura. Mas explodiu. Engraçado, não? E deste lapso do Nada em si, criou-se tudo. Humildemente, progressivamente, e aí está! Como é distraído, pobre Nada. Tão doente. Será que ele acorda? Acho que sim. Sua energia está aí, manifestada principalmente em nós. Devido a nossos complicados mecanismos racionais de desconstrução e revelação. Sim, temos aí um pouco dessa energia destrutiva. Essa merda toda. Ela se faz presente no material? Sim, destruímos tudo com essa energia. Ela também faz isso, conosco. Através da nossa manifestação, ela volta revigorada. Nossa crença nesse ser feito de energia que tudo oblitera... Crença ou teoria filosófico-científica? Bem, ele se faz presente, não? De fato, seus manifestos de caos são evidentes. Mas não ascetize! Não cometa esta estupidez. Pense que isso é carne. É você.

"Eu sou o anjo do desespero.
Das minhas mãos distribuo a embriaguês,
a estupefacção, o esquecimento, gozo e
tormento dos corpos.
Meu discurso é o silêncio, meu canto o grito.
À sombra das minhas asas mora o terror.
Minha esperança é o último suspiro.
Minha esperança é a primeira batalha.
Eu sou a faca com que o morto arromba o seu caixão.
Eu sou aquele que será.
Meu descolar é a sublevação, meu céu o abismo de amanhã."

- Adolfo Luxúria Canibal