terça-feira, 8 de setembro de 2009

I did it my way...

"I have wiped entire civilizations off of my chest with a grey gym sock"
- Bill Hicks



A civilização de uma raça que veio do mar, passou pelo anfíbio, pelo símio, e por fim o Homo sapiens. Uma espécie brilhante. Esta dominava as técnicas de mudar o ambiente ao seu favor, alguma organização social, conheciam os animais, usavam ferramentas diversas e adaptáveis a diferentes climas, regiões e biomas. Mas isso não era o bastante. A evolução deve nos ter pregado uma peça. A maldita evolução nos odeia, ou melhor, a natureza deve ter algum tipo de desejo suicida. Surgiu da eficiência do seu anterior, o Homo sapiens sapiens; que já não é o homem que sabe, é o homem consciente do saber. Consciente de si mesmo antes de todo o resto. A dicotomia entre o subjetivo e o objetivo surge aí. Devido a este fator, nossa antes consciência coletiva animal, formadora de grupos sociais e tendendo a uma continuidade da espécie, havia renunciado seu trono no cástelo de matéria cinza que administrava a percepção. Mas administrava de maneira difusa, enquanto o sujeito sentia que os seus pensamentos, sua visão, suas experiências, sua persona; tudo isso estava mais presente na consciência, se colocava de maneira primária. Virou os olhos do sujeito para dentro do crânio e os fez fixarem um amontoado orgânico e acinzentado coberto de sangue. Fez o seu olhar voltar-se para dentro de si. Essa era uma preocupação desconhecida ao hominídio ancestral. O primata observa o mundo à sua volta, e aprendendo a partir de sua experiência segue sua vida tomando cuidado somente com o que poderia colocar em perigo sua sobrevivência e a dos filhotes. Mas com o surgimento do ego, outras informações juntaram-se a essas e as suplantaram. Informações sobre o ser que se contempla estranho, não correspondente com a realidade, disfuncional. A desorientação ao constatar sua própria existência assim como as coisas que no mundo natural existiam vinha de um desconforto, uma angústia com essa condição. A partir de então o sujeito se torna isolado dentro de si, entregando-se aos caprichos aleatórios da vontade humana. Surgiu o sentimento de identidade que é individual e não coletivo. Como um ser pode vir a contemplar sua existência? Não é muito fácil, poucos conseguiram (e até hoje poucos realmente conseguem, o que é lastimável), mas estes, ao arriscarem-se a pensar e forçar o cérebro a se desenvolver. Surge a Razão: o racionalismo é o método epistemológico do questionamento do que se dá à percepção. Para estudar o mundo, o homem precisa percebê-lo não só através dos sentidos, mas processá-los e procurar essências e padrões do mundo natural de maneira a simplificar suas árduas atividades. O problema apareceu quando o homem voltou este olhar crítico para si. Desde o primeiro de nossa espécie até hoje, pessoas nascem, vivem e morrem sem ter consciência de que existiram. Bons são eles, eles são os responsáveis pela continuidade biológica da raça. Miseráveis desempregados alcoólatras que espancam e estupram suas mulheres, filhas, irmãs ignorantes e dopadas, que, imbecis o suficiente, decidem por ter o maldito bebê. Eis porque a população infecta esse mundo como uma doença letal consumindo incessantemente, fornicando a toda hora e se espalhando por cada lugar desse vasto planeta. Sintam-se orgulhosos. Sugando a Terra diretamente pela veia, inoculando o veneno no sistema, o ser humano conseguiu dominar a terra. Um animal médio, de pele lisa, postura ereta, sem armas naturais. Sua única arma natural seria o cérebro, se ele o usar. Esta situação está sendo panfletada da forma mais patética por ativistas ambientais, partidos sociais, corporações maquiavélicas, hippies falidos e simplesmente imbecis. Antes de destruir o ambiente, uma espécie cujo toda produção civilizatória, progressista e inovadora é baseada num intrínseco sistema neural que consiste em usar da Razão como ferramenta para estuprar o mundo ao seu redor, essa espécie selvagem não deveria antes acabar consigo mesma? Como se o vazio de sua natureza se abrisse num buraco negro e o sugasse para dentro da própria existência. Que tipo de ser que duvida de si mesmo pode vencer na cadeia alimentar e dominar outras espécies? A angústia da auto-consciência é o que projeta o racionalismo desconstrutor para o mundo de maneira mais cruel e ressentida. A espécie agora volta seus olhos para a natureza não como seu lar, mas como sua propriedade. Livre para ser explorada, estripada, e ceder seus recursos para a construção de algo mais grandioso: os obeliscos fascistas da civilização. Mas enquanto a constrói a partir de uma solução de concreto e entranhas da natureza, o homem não está satisfeito. Ele não se sente completo. Ele está sozinho, afinal, confinado ao seu cárcere individual. Pensar e racionalizar métodos de exploração não eram o suficiente para este homem. Algo deveria dar certeza aos homens sobre tudo aquilo que pensavam. Aí surgem os mitos. Complexas mitologias baseadas nos elementos da própria natureza e da condição humana tinham criaturas antropozoomórfica como divindades presentes de maneira inconcebível, escondidas do olho humano. A partir daí, o homem dá sentido à sua existência por se ver pequeno, impotente, e solitário frente aos seus semelhantes e a natureza. Mas o homem é incansável e o fogo que queima em seu coração negro deseja se alastrar pelos caminhos do corpo e consumir o mundo exterior. Surge a filosofia na Grécia antiga pré-socrática. A filosofia procura constatar a validade dos valores atribuídos. São os deuses bons? maus? Isso seria infantil demais para o filósofo. Ao invés de se colocar de uma vez na mitologia e tentar classificá-la ele se preocupa antes em arrancar as pétalas desta flor tóxica: bem e mal. De onde isso viria, um mistério. Mas de qualquer forma era algo que estava ausente na realidade. Juizos de valor baseados em frágeis experiências subjetivas projetadas sobre o objeto, que absorve suas mais ínfimas características aos olhos do observador: a verdade não jazia nestes valores. A palavra verdade é importante porque é a própria natureza e propósito do objeto, é como contemplá-lo de forma clara e imaculada. Esta foi a principal preocupação dos mais famosos filósofos gregos. Quando isso se aplica à perspectiva ontológica, é impossível discernir a subjetividade de algum vago tipo de objetividade pessoal. Não há chão. O homem se contempla sem poder nem julgar a si mesmo. Ele não deveria ter de julgar se é bom ou mau, útil ou inútil, forte ou fraco. Estas construções subjetivas se tornavam portanto parte de uma imagem de si que o cérebro possuía objetivamente. Ou seja, ele se definia a partir da própria percepção falsa de qualidade, enquanto nada disso possuía qualquer base de certeza racional. O filósofo cristão Kierkegaard escreveu que nesta situação em que o homem se encontra no abismo de sua falta existencial, ou ele se entrega a uma idéia ascética que o tira do abismo, como a deus; ou se entrega ao abismo e cai na autodestruição e ultimamente no suicídio. É óbvio o caminho que ele escolheu. Houve então um resgate do mito, uma crença pretensamente baseada em conhecimento racional válido afirmando que em seres, energias ou influências existiam em uma natureza substancial que dava certo grau de verossimilança à sua própria existência. Assim como algumas figuras na mitologia, mas superando a elas, o homem pode enxergar uma verdade eterna em que se baseia todo conhecimento reluzente e fora do alcance da interpretação humana. A metafísica ganha mais força. Portanto, quando ocorre o oposto e o homem não procura por uma base metafísica, ele percebe que se ele mesmo é vazio e não pode afirmar nada sobre si mesmo. Isento de qualquer qualidade inerente, como ele pode ter uma certeza tão matemática e explícita do mundo ao seu redor? A matemática não está presente na realidade. Ela obedece a leis humanas aplicadas como uma projeção subjetiva à objetividade, se ajustando e se desenvolvendo com diferentes propósitos. Mas ela não revela significação. Assim como qualquer lógica concebível provém dele mesmo e não do mundo, como o mundo pode ser classificado de acordo com algo que não o pertence? Eis o primeiro niilista. Não possui crenças, portanto não possue moral. Princípios e valores são ainda mais sintéticos e ele também não os possue. Sua conduta é indiferente às crenças de um coletivo tão vazio quanto o mundo e as próprias construções deste. Não conhece regras, normas ou subordinação social. Mas ele não é simplesmente um andarilho louco e enclausurado numa neblina de incerteza e desistência apática, o ego ainda existe e ele incha como um fígado doente fazendo o sujeito se sentir superior por contemplar a falta de qualquer verdade no Universo. Mas como pode ele se julgar superior e dizer que "a falta da verdade" é uma verdade em si? Ele segue um estilo de vida e possue uma mentalidade muito contraditórios e auto-destrutivos. O paradoxo do niilismo está aí. Uma raça vazia realmente deveria perecer em sua mediocridade, mas ela ainda respira. Ele sabe que seus atos não têm qualquer origem em uma conduta regida por um conceito de verdade, isso não passa de uma simples piada para este homem. Ele FAZ a verdade agora, mas ao contrário dos demais alienados, ele conhece o absurdo da ação. Ele age porque quer. Obedecendo aos seus impulsos, sua ganância, sua sede de prazer, sua afirmação da personalidade. Aí está novamente a vontade (de poder) como motor que faz a unidade entrar em movimento. Desta forma ele se torna um homem que não compartilha da consciência coletiva sintética criada pela rede de mentiras de qualquer moral, porque toda moral é metafísica. Descartando a ilusão de grandiloquência espiritual e conexão com o divino, o homem se reduz à sua própria insignificância de parasita, uma grande barata na calçada suja da cidade. Em meio a todo o lixo cósmico de detritos, gases e luzes da galáxia, nosso herói prospera predando aqueles mais ingênuos que se apresentam oportunamente em seu caminho e crescendo com isso.

"We're trapped in the belly of this horrible machine
And the machine is bleeding to death"

- Godspeed You! Black Emperor



Civilização é todo um conjunto de entidades físicas estabelecidas para a raça humana como um ambiente organizado e harmônico voltado para o progresso. Mais poderosas e perigosas que estas entidades, são as que não tem qualquer aparência física e provém diretamente da engenhosidade imaginativa. As bases ideológicas da sociedade determinam o "dever ser" de cada um. Deve-se ser educado, civil, patriota, religioso, trabalhador e submisso ao sistema. Tudo isso nutre e mantém as gigantes máquinas que balançam suas tetas da alienação. Política, economia, história e filosofia são algumas das ferramentas que aprimoram a welt anschau (visão de mundo) e adaptam-na ao conhecimento dos fenômenos da vida social. O legado humano é uma eterna competição de tudo contra todos para impôr sua verdade, fonte da ação legítima, sobre da vontade de outrem. Os vencedores positivos são aqueles que vencem, predam o outro e conquistam este desafio. Hoje temos uma política que se diz democrática, mas é ditada pela minoria aristocrática dos milionários vendidos e comprados por outros milionários e corporações de milionários. As grandes corporações já se infiltraram e têm seus tentáculos fixos nos monumentos da política. Um de seus mais notórios mecanismos é o lobby. Como este sistema prospera acima de qualquer outro é relativamente simples. O sistema liberal capitalista é aquele que permite a atuação desmedida da natureza individualista, gananciosa e destrutiva inerente ao ser humano enquanto se contempla como tal. A propriedade privada, livre iniciativa e a liberdade de lucro serviram para afirmar que o vencedor é o que domina, enquanto o oprimido continua rastejando historicamente no poço de merda de toda a espécie. O cenário perfeito para o caos brotar como uma erva daninha devoradora e implacável sobre a face deste já podre planeta e acabar com o indivíduo e com o todo. Viver o niilismo é impossível, cria um paradoxo filosófico inaceitável de forma racional, mas manifestá-lo enquanto agente destruidor (desconstrutor) era possível e o homem percebeu que era bom. Verdades cruas e nojentas caem aos nossos pés todo dia denunciando a corrupção, a discórdia, o pecado, o crime, a doença, a fome, a peste, a guerra, a morte como grandes males da civilização, mas estes são males ontológicos inerentes à espécie. Somente aqueles que não foram intelectualmente selecionados para dar continuidade à raça humana medíocre conseguem contemplar, da boca do lixo. Contemplam estas simples verdades que não são nem um pouco metafísicas, mas físicas e factuais. O predador social solitário e oportunista, o misantropo nauseado, o governista mentiroso. São estas algumas das figuras cobertas de podridão que não vão contra a máquina do Estado porque não são contrários a ele. Muito pelo contrário, sobrevivem do sistema! Eles predam este mesmo sistema e prosperam com isso escalando vertiginosamente a montanha de corpos até o pico, onde morrerão sem cerimonias e despencarão da pilha como mais cadáveres inertes que apodrecem e alimentam a máquina.

O sistema é ideal enquanto dá vazão aos sentimentos de desejo de opressão do indivíduo e como um coletivo sintético patriótico ou regionalista. Países que prosperaram sempre foram aqueles que dominaram com muitas mentiras, crueldade, extorsão e violência sem qualquer pudor. Os desenvolvidos enfiaram suas garras e fizeram dos países pobres sua fonte de nutrição. Os Estados Unidos da América, com seu longo histórico de revolução, nacionalismo, protecionismo, hipocrisia, ideologia e oportunismo foi simplesmente o mais eficiente enquanto dominou, junto com gigantes econômicos europeus muito mais antigos, os continentes de etnias pretensamente inferiores e não civilizadas. O fardo do homem branco civilizador e avançado ainda está presente no imaginário popular contemporâneo. Séculos de opressão ficarão impunes? Vemos hoje este império imponente como a águia, seu símbolo, com uma asa quebrada sendo cercada por representantes das mais variadas espécies que já predou durante seu império. Todo tipo de praga e animal peçonhento - e também dos outros predadores de rapina ardis o suficiente para se aproveitarem da situação -. É uma revolta de ódio oriunda de uma vontade de poder reprimida por milênios de escravidão braçal e moral que cresce de maneira passiva agressiva até que estoura além do próprio controle disparando fogo e chumbo para todos os lados. Não sobra nada.

Hoje a globalização e a evolução da comunicção tornaram o conhecimento um mercado. Aberto a todos, mas só funciona bem para aqueles que conhecem os mecanismos, que antes de pertencerem aos meios da comunicação, pertencem à própria comunicação. A interpretação, conhecimento da natureza subjetiva e a influência de idéias sobre massas de pessoas. Falácias bem sucedidas inoculadas por psicólogos, palestrantes motivacionais, líderes religiosos, marketing, cultura popular, discursos políticos. O poder dessas palavras está em constante viagem por todo planeta. Todas as nações são informadas de tudo que acontece no mundo, não é maravilhoso? Até as classes mais pobres ganham acesso à Internet. A humanidade já conhece esta realidade há décadas, já não deveria ter realizado qualquer revolução? Isso deveria abrir os olhos da massa inerte que observa alienada o desfile de aberrações que desliza pelas ruas. Mas não acontece assim. Algo importante a destacar é o fato de que a indústria da comunicação é em si um negócio dividido predatoriamente pelas corporações que a compõe e a comandam. Tudo que você lê foi escrito e disponibilizado com interesses ocultos que alimentam alguns poucos suínos humanos anônimos e engravatados. Até mesmo este blog. Esta é uma das oportunidades das quais as pessoas se aproveitam, principalmente os astutos que conhecem o funcionamento do maquinário. O mundo ainda não pensa, mas existem estes que se livram da fantasia social plausível e cômoda e disseminam destruição por diferentes meios. Cada um com seus objetivos individuais, não trabalhando pelo progresso coletivo da civilização, mas pelo seu declínio.


"For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has not
To say the things he truly feels and not the words of one who kneels
The record shows I took the blows and did it my way!"

- Frank Sinatra (composição de Paul Anka)


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