segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Blow

"She don't lie, she don't lie, she don't lie;
cocaine."

- JJ Cale



George Jung é o nome de um dos maiores traficantes da história. Nascido em Boston, Massachusetts, "Boston George" experimentou marijuana na California, onde em 67 teve uma viagem muito chapado em que imaginou o lucro incrível que teria se usasse sua namorada aeromoça para transportar maconha. Logo, estava negociando com um poderoso fazendeiro mexicano numa jogada que lhes rendia U$250,000 dólares por mês. Foi quando entrou em cana.

"Judge: George Jung, you stand accused of possession of six hundred and sixty pounds of marijuana with intent to distribute. How do you plead?
George: Your honor, I'd like to say a few words to the court if I may.
Judge: Well, you're gonna have to stop slouching and stand up to address this court, sir.
"George: [stands] Alright. Well, in all honesty, I don't feel that what I've done is a crime. And I think it's illogical and irresponsible for you to sentence me to prison. Because, when you think about it, what did I really do? I crossed an imaginary line with a bunch of plants. I mean, you say I'm an outlaw, you say I'm a thief, but where's the Christmas dinner for the people on relief? Huh? You say you're looking for someone who's never weak but always strong, to gather flowers constantly whether you are right or wrong, someone to open each and every door, but it ain't me, babe, huh? No, no, no, it ain't me, babe. It ain't me you're looking for, babe. You follow?
Judge: Yeah... Gosh, you know, your concepts are really interesting, Mister Jung.
George: Thank you.
Judge: Unfortunately for you, the line you crossed was real and the plants you brought with you were illegal, so your bail is twenty thousand dollars."

(Blow, 2001)

Na cadeia, conheceu seu mais duradouro parceiro que o introduziu ao tráfico de cocaína. Nos anos 70, 80% da cocaína vendida de San Francisco a New York tinha origem nos acordos de Boston George com o Cartel Mendellín na Colômbia. Casou-se, teve uma filha, comprou mansões, hotéis, festas, pessoas, levou um tiro, uma overdose, um ataque cardíaco e quando foi traído pelo hermano perdeu tudo isso e mais. Durante os anos 80, matava seu tempo às vezes vendendo pó para metade dos Estados Unidos e às vezes contemplando sua cela em prisões federais. Hoje, Jung tem sua liberação projetada para 2014, quando terá 72 anos.

Em 2001, o filme Blow, apesar de ter o formato de um enlatado hollywoodiano qualquer, mostra na pele de Johnny Depp a vertiginosa jornada de um homem que conquistou uma grandiosa fortuna e fez nevar cocaína nos Estados Unidos.



"Danbury wasn't a prison, it was a crime school. I went in with a Bachelor of marijuana, came out with a Doctorate of cocaine."

"Dansbury não era uma prisão, era uma escola do crime. Eu entrei com um bacharelado em maconha e saí com um doutorado em cocaína."


terça-feira, 8 de setembro de 2009

I did it my way...

"I have wiped entire civilizations off of my chest with a grey gym sock"
- Bill Hicks



A civilização de uma raça que veio do mar, passou pelo anfíbio, pelo símio, e por fim o Homo sapiens. Uma espécie brilhante. Esta dominava as técnicas de mudar o ambiente ao seu favor, alguma organização social, conheciam os animais, usavam ferramentas diversas e adaptáveis a diferentes climas, regiões e biomas. Mas isso não era o bastante. A evolução deve nos ter pregado uma peça. A maldita evolução nos odeia, ou melhor, a natureza deve ter algum tipo de desejo suicida. Surgiu da eficiência do seu anterior, o Homo sapiens sapiens; que já não é o homem que sabe, é o homem consciente do saber. Consciente de si mesmo antes de todo o resto. A dicotomia entre o subjetivo e o objetivo surge aí. Devido a este fator, nossa antes consciência coletiva animal, formadora de grupos sociais e tendendo a uma continuidade da espécie, havia renunciado seu trono no cástelo de matéria cinza que administrava a percepção. Mas administrava de maneira difusa, enquanto o sujeito sentia que os seus pensamentos, sua visão, suas experiências, sua persona; tudo isso estava mais presente na consciência, se colocava de maneira primária. Virou os olhos do sujeito para dentro do crânio e os fez fixarem um amontoado orgânico e acinzentado coberto de sangue. Fez o seu olhar voltar-se para dentro de si. Essa era uma preocupação desconhecida ao hominídio ancestral. O primata observa o mundo à sua volta, e aprendendo a partir de sua experiência segue sua vida tomando cuidado somente com o que poderia colocar em perigo sua sobrevivência e a dos filhotes. Mas com o surgimento do ego, outras informações juntaram-se a essas e as suplantaram. Informações sobre o ser que se contempla estranho, não correspondente com a realidade, disfuncional. A desorientação ao constatar sua própria existência assim como as coisas que no mundo natural existiam vinha de um desconforto, uma angústia com essa condição. A partir de então o sujeito se torna isolado dentro de si, entregando-se aos caprichos aleatórios da vontade humana. Surgiu o sentimento de identidade que é individual e não coletivo. Como um ser pode vir a contemplar sua existência? Não é muito fácil, poucos conseguiram (e até hoje poucos realmente conseguem, o que é lastimável), mas estes, ao arriscarem-se a pensar e forçar o cérebro a se desenvolver. Surge a Razão: o racionalismo é o método epistemológico do questionamento do que se dá à percepção. Para estudar o mundo, o homem precisa percebê-lo não só através dos sentidos, mas processá-los e procurar essências e padrões do mundo natural de maneira a simplificar suas árduas atividades. O problema apareceu quando o homem voltou este olhar crítico para si. Desde o primeiro de nossa espécie até hoje, pessoas nascem, vivem e morrem sem ter consciência de que existiram. Bons são eles, eles são os responsáveis pela continuidade biológica da raça. Miseráveis desempregados alcoólatras que espancam e estupram suas mulheres, filhas, irmãs ignorantes e dopadas, que, imbecis o suficiente, decidem por ter o maldito bebê. Eis porque a população infecta esse mundo como uma doença letal consumindo incessantemente, fornicando a toda hora e se espalhando por cada lugar desse vasto planeta. Sintam-se orgulhosos. Sugando a Terra diretamente pela veia, inoculando o veneno no sistema, o ser humano conseguiu dominar a terra. Um animal médio, de pele lisa, postura ereta, sem armas naturais. Sua única arma natural seria o cérebro, se ele o usar. Esta situação está sendo panfletada da forma mais patética por ativistas ambientais, partidos sociais, corporações maquiavélicas, hippies falidos e simplesmente imbecis. Antes de destruir o ambiente, uma espécie cujo toda produção civilizatória, progressista e inovadora é baseada num intrínseco sistema neural que consiste em usar da Razão como ferramenta para estuprar o mundo ao seu redor, essa espécie selvagem não deveria antes acabar consigo mesma? Como se o vazio de sua natureza se abrisse num buraco negro e o sugasse para dentro da própria existência. Que tipo de ser que duvida de si mesmo pode vencer na cadeia alimentar e dominar outras espécies? A angústia da auto-consciência é o que projeta o racionalismo desconstrutor para o mundo de maneira mais cruel e ressentida. A espécie agora volta seus olhos para a natureza não como seu lar, mas como sua propriedade. Livre para ser explorada, estripada, e ceder seus recursos para a construção de algo mais grandioso: os obeliscos fascistas da civilização. Mas enquanto a constrói a partir de uma solução de concreto e entranhas da natureza, o homem não está satisfeito. Ele não se sente completo. Ele está sozinho, afinal, confinado ao seu cárcere individual. Pensar e racionalizar métodos de exploração não eram o suficiente para este homem. Algo deveria dar certeza aos homens sobre tudo aquilo que pensavam. Aí surgem os mitos. Complexas mitologias baseadas nos elementos da própria natureza e da condição humana tinham criaturas antropozoomórfica como divindades presentes de maneira inconcebível, escondidas do olho humano. A partir daí, o homem dá sentido à sua existência por se ver pequeno, impotente, e solitário frente aos seus semelhantes e a natureza. Mas o homem é incansável e o fogo que queima em seu coração negro deseja se alastrar pelos caminhos do corpo e consumir o mundo exterior. Surge a filosofia na Grécia antiga pré-socrática. A filosofia procura constatar a validade dos valores atribuídos. São os deuses bons? maus? Isso seria infantil demais para o filósofo. Ao invés de se colocar de uma vez na mitologia e tentar classificá-la ele se preocupa antes em arrancar as pétalas desta flor tóxica: bem e mal. De onde isso viria, um mistério. Mas de qualquer forma era algo que estava ausente na realidade. Juizos de valor baseados em frágeis experiências subjetivas projetadas sobre o objeto, que absorve suas mais ínfimas características aos olhos do observador: a verdade não jazia nestes valores. A palavra verdade é importante porque é a própria natureza e propósito do objeto, é como contemplá-lo de forma clara e imaculada. Esta foi a principal preocupação dos mais famosos filósofos gregos. Quando isso se aplica à perspectiva ontológica, é impossível discernir a subjetividade de algum vago tipo de objetividade pessoal. Não há chão. O homem se contempla sem poder nem julgar a si mesmo. Ele não deveria ter de julgar se é bom ou mau, útil ou inútil, forte ou fraco. Estas construções subjetivas se tornavam portanto parte de uma imagem de si que o cérebro possuía objetivamente. Ou seja, ele se definia a partir da própria percepção falsa de qualidade, enquanto nada disso possuía qualquer base de certeza racional. O filósofo cristão Kierkegaard escreveu que nesta situação em que o homem se encontra no abismo de sua falta existencial, ou ele se entrega a uma idéia ascética que o tira do abismo, como a deus; ou se entrega ao abismo e cai na autodestruição e ultimamente no suicídio. É óbvio o caminho que ele escolheu. Houve então um resgate do mito, uma crença pretensamente baseada em conhecimento racional válido afirmando que em seres, energias ou influências existiam em uma natureza substancial que dava certo grau de verossimilança à sua própria existência. Assim como algumas figuras na mitologia, mas superando a elas, o homem pode enxergar uma verdade eterna em que se baseia todo conhecimento reluzente e fora do alcance da interpretação humana. A metafísica ganha mais força. Portanto, quando ocorre o oposto e o homem não procura por uma base metafísica, ele percebe que se ele mesmo é vazio e não pode afirmar nada sobre si mesmo. Isento de qualquer qualidade inerente, como ele pode ter uma certeza tão matemática e explícita do mundo ao seu redor? A matemática não está presente na realidade. Ela obedece a leis humanas aplicadas como uma projeção subjetiva à objetividade, se ajustando e se desenvolvendo com diferentes propósitos. Mas ela não revela significação. Assim como qualquer lógica concebível provém dele mesmo e não do mundo, como o mundo pode ser classificado de acordo com algo que não o pertence? Eis o primeiro niilista. Não possui crenças, portanto não possue moral. Princípios e valores são ainda mais sintéticos e ele também não os possue. Sua conduta é indiferente às crenças de um coletivo tão vazio quanto o mundo e as próprias construções deste. Não conhece regras, normas ou subordinação social. Mas ele não é simplesmente um andarilho louco e enclausurado numa neblina de incerteza e desistência apática, o ego ainda existe e ele incha como um fígado doente fazendo o sujeito se sentir superior por contemplar a falta de qualquer verdade no Universo. Mas como pode ele se julgar superior e dizer que "a falta da verdade" é uma verdade em si? Ele segue um estilo de vida e possue uma mentalidade muito contraditórios e auto-destrutivos. O paradoxo do niilismo está aí. Uma raça vazia realmente deveria perecer em sua mediocridade, mas ela ainda respira. Ele sabe que seus atos não têm qualquer origem em uma conduta regida por um conceito de verdade, isso não passa de uma simples piada para este homem. Ele FAZ a verdade agora, mas ao contrário dos demais alienados, ele conhece o absurdo da ação. Ele age porque quer. Obedecendo aos seus impulsos, sua ganância, sua sede de prazer, sua afirmação da personalidade. Aí está novamente a vontade (de poder) como motor que faz a unidade entrar em movimento. Desta forma ele se torna um homem que não compartilha da consciência coletiva sintética criada pela rede de mentiras de qualquer moral, porque toda moral é metafísica. Descartando a ilusão de grandiloquência espiritual e conexão com o divino, o homem se reduz à sua própria insignificância de parasita, uma grande barata na calçada suja da cidade. Em meio a todo o lixo cósmico de detritos, gases e luzes da galáxia, nosso herói prospera predando aqueles mais ingênuos que se apresentam oportunamente em seu caminho e crescendo com isso.

"We're trapped in the belly of this horrible machine
And the machine is bleeding to death"

- Godspeed You! Black Emperor



Civilização é todo um conjunto de entidades físicas estabelecidas para a raça humana como um ambiente organizado e harmônico voltado para o progresso. Mais poderosas e perigosas que estas entidades, são as que não tem qualquer aparência física e provém diretamente da engenhosidade imaginativa. As bases ideológicas da sociedade determinam o "dever ser" de cada um. Deve-se ser educado, civil, patriota, religioso, trabalhador e submisso ao sistema. Tudo isso nutre e mantém as gigantes máquinas que balançam suas tetas da alienação. Política, economia, história e filosofia são algumas das ferramentas que aprimoram a welt anschau (visão de mundo) e adaptam-na ao conhecimento dos fenômenos da vida social. O legado humano é uma eterna competição de tudo contra todos para impôr sua verdade, fonte da ação legítima, sobre da vontade de outrem. Os vencedores positivos são aqueles que vencem, predam o outro e conquistam este desafio. Hoje temos uma política que se diz democrática, mas é ditada pela minoria aristocrática dos milionários vendidos e comprados por outros milionários e corporações de milionários. As grandes corporações já se infiltraram e têm seus tentáculos fixos nos monumentos da política. Um de seus mais notórios mecanismos é o lobby. Como este sistema prospera acima de qualquer outro é relativamente simples. O sistema liberal capitalista é aquele que permite a atuação desmedida da natureza individualista, gananciosa e destrutiva inerente ao ser humano enquanto se contempla como tal. A propriedade privada, livre iniciativa e a liberdade de lucro serviram para afirmar que o vencedor é o que domina, enquanto o oprimido continua rastejando historicamente no poço de merda de toda a espécie. O cenário perfeito para o caos brotar como uma erva daninha devoradora e implacável sobre a face deste já podre planeta e acabar com o indivíduo e com o todo. Viver o niilismo é impossível, cria um paradoxo filosófico inaceitável de forma racional, mas manifestá-lo enquanto agente destruidor (desconstrutor) era possível e o homem percebeu que era bom. Verdades cruas e nojentas caem aos nossos pés todo dia denunciando a corrupção, a discórdia, o pecado, o crime, a doença, a fome, a peste, a guerra, a morte como grandes males da civilização, mas estes são males ontológicos inerentes à espécie. Somente aqueles que não foram intelectualmente selecionados para dar continuidade à raça humana medíocre conseguem contemplar, da boca do lixo. Contemplam estas simples verdades que não são nem um pouco metafísicas, mas físicas e factuais. O predador social solitário e oportunista, o misantropo nauseado, o governista mentiroso. São estas algumas das figuras cobertas de podridão que não vão contra a máquina do Estado porque não são contrários a ele. Muito pelo contrário, sobrevivem do sistema! Eles predam este mesmo sistema e prosperam com isso escalando vertiginosamente a montanha de corpos até o pico, onde morrerão sem cerimonias e despencarão da pilha como mais cadáveres inertes que apodrecem e alimentam a máquina.

O sistema é ideal enquanto dá vazão aos sentimentos de desejo de opressão do indivíduo e como um coletivo sintético patriótico ou regionalista. Países que prosperaram sempre foram aqueles que dominaram com muitas mentiras, crueldade, extorsão e violência sem qualquer pudor. Os desenvolvidos enfiaram suas garras e fizeram dos países pobres sua fonte de nutrição. Os Estados Unidos da América, com seu longo histórico de revolução, nacionalismo, protecionismo, hipocrisia, ideologia e oportunismo foi simplesmente o mais eficiente enquanto dominou, junto com gigantes econômicos europeus muito mais antigos, os continentes de etnias pretensamente inferiores e não civilizadas. O fardo do homem branco civilizador e avançado ainda está presente no imaginário popular contemporâneo. Séculos de opressão ficarão impunes? Vemos hoje este império imponente como a águia, seu símbolo, com uma asa quebrada sendo cercada por representantes das mais variadas espécies que já predou durante seu império. Todo tipo de praga e animal peçonhento - e também dos outros predadores de rapina ardis o suficiente para se aproveitarem da situação -. É uma revolta de ódio oriunda de uma vontade de poder reprimida por milênios de escravidão braçal e moral que cresce de maneira passiva agressiva até que estoura além do próprio controle disparando fogo e chumbo para todos os lados. Não sobra nada.

Hoje a globalização e a evolução da comunicção tornaram o conhecimento um mercado. Aberto a todos, mas só funciona bem para aqueles que conhecem os mecanismos, que antes de pertencerem aos meios da comunicação, pertencem à própria comunicação. A interpretação, conhecimento da natureza subjetiva e a influência de idéias sobre massas de pessoas. Falácias bem sucedidas inoculadas por psicólogos, palestrantes motivacionais, líderes religiosos, marketing, cultura popular, discursos políticos. O poder dessas palavras está em constante viagem por todo planeta. Todas as nações são informadas de tudo que acontece no mundo, não é maravilhoso? Até as classes mais pobres ganham acesso à Internet. A humanidade já conhece esta realidade há décadas, já não deveria ter realizado qualquer revolução? Isso deveria abrir os olhos da massa inerte que observa alienada o desfile de aberrações que desliza pelas ruas. Mas não acontece assim. Algo importante a destacar é o fato de que a indústria da comunicação é em si um negócio dividido predatoriamente pelas corporações que a compõe e a comandam. Tudo que você lê foi escrito e disponibilizado com interesses ocultos que alimentam alguns poucos suínos humanos anônimos e engravatados. Até mesmo este blog. Esta é uma das oportunidades das quais as pessoas se aproveitam, principalmente os astutos que conhecem o funcionamento do maquinário. O mundo ainda não pensa, mas existem estes que se livram da fantasia social plausível e cômoda e disseminam destruição por diferentes meios. Cada um com seus objetivos individuais, não trabalhando pelo progresso coletivo da civilização, mas pelo seu declínio.


"For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has not
To say the things he truly feels and not the words of one who kneels
The record shows I took the blows and did it my way!"

- Frank Sinatra (composição de Paul Anka)


sábado, 5 de setembro de 2009

Inferno grego versus Lei 13.541

Lugar sombrio de tormento abaixo do paraíso, da terra e do Pontus, há um tártaro, lugar eterno de punição e condenação. Este maquinário mitológico de Destruição perpétua estava até mesmo embaixo do Hades. Um lugar tão longe do sol e tão profundo na terra, o Tártaro é coberto por três camadas de noite. É um lugar pegajoso e hostil engolfado de viscosidade mórbida. É um dos objetos primordiais vomitados pelo Caos (junto com Gaia e o Amor). É uma substância presente em poços na própria terra. Ainda hoje encontram elefantes, mamutes e outros grandes animais afundados e mortos, preservados em poços de tártaro. Essa viscosidade fétida também está presente (surpreendentemente seca) no cigarro, como a alcatrão. Também é uma condição bucal deplorável.



Agora a perseguição é aos fumantes. Eles nos proíbem e nos castram cada vez que podem e cada vez mais. Acredite, logo não se poderá fumar nem embaixo de toldos numa chuva forte. Antes fumavam os elegantes. Hoje fumam os junkies, os fodidos, os suicidas indulgentes. É mais difícil um jovem em plena puberdade voltar-se ao fumo: ela ainda não é inclinada para o suicídio. Não é ainda um desiludido destruidor nem enfrentou um tédio tão absurdo que permitiu que encontrasse vazão de suas frustrações no fumo. Sendo assim, a presença do fumante não influencia, como antigamente, que outros no local, admirados, venham a fumar. Não há mais elegância. Agora é de conhecimento público o compêndio de males e toxinas contidas num só cigarro. Com toda essa informação, um cidadão exemplar e institucionalizado não compraria uma carteira de cigarros procurando prazer. Ele procura comidas saudáveis, sucos naturais, vitaminas, minerais ou qualquer merda embalada pra vender com esse pretexto. Tudo isso pra viver e viver pra sempre. Além dos poucos fumantes meramente influenciados pelo momento, o fumante consciente sabe da destruição que está impondo a si mesmo e não tem vontade de parar. O vício é uma mera consequência e seu valor é desprezível. O veneno é um fluido marrom, teimoso e maculante, a substância que quando queimada libera o característico odor acre do cigarro, tanto quanto o tabaco, que por sua vez é agradável. É o tártaro que mancha os dentes e causa infecções na gengiva. O fumante sente isso, sabe disso de qualquer forma. Sabe das doenças, do futuro enevoado e dos sintomas que já se fazem presentes sem esforço. O fumante, antes de causar a destruição do planeta infectando a atmosfera com a fumaça de um cigarro, polui bem menos que qualquer carro, moto, caminhão, entre outras máquinas combustível fóssil. Esta fumaça obviamente muito mais volumosa causa doenças e envenenamentos que um fumante excessivo só sofreria em décadas de tabagismo. Então faz-se uma pomposa lei que proíbe o fumo no interior de estabalecimentos fechados por uma questão de saúde pública. Que piada! Se querem proteger a saúde, um controle do tráfego, da poluíção indiscriminada de fábricas, veículos e queimadas muito mais constantes que os fumantes não seria muito mais primordial e coerente? É fazendo com que as pessoas esqueçam destas verdadeiras fontes de doença corporativas que se gera o auto engano hipócrita com a idéia de que a pessoa estará mais saudável num ambiente proibido aos fumantes, mas quando sai de lá, se infecta num ambiente global pior ainda. Neste ambiente, nem ele se importa. Ele não se importa com a fumaça de sua churrasqueira, com o escapamento do seu carro, com a indústria que produziu todos os bens que ele possui, ele não dá a mínima e acha que contribui ecologicamente de maneira exemplar. Mas quando vê o fumante, ah, o senhor careta aproveita pra crucificá-lo como autor dos atos mais terríveis contra ele e a humanidade. O fumante pratica o tabagismo por opção pessoal, liberdade pessoal. Todos estão se destruindo e perecendo a todo momento e fingem que não. O fumante simplesmente contempla esta realidade e aceita, num contrato consigo mesmo, se intoxicar um pouco mais e lhe causar certo prazer. Então deixe o fumante curtir seu inferno grego tartáreo e procure o elixir da sua própria vida em suas dietas livres de gorduras e radicais livres. E ao sentir uma protuberância estranha sob sua pele, não minta a si mesmo: é um tumor.



"Tobacco is my favorite vegetable"

- Frank Zappa

It's a war on personal freedom

"On my back and tumbling
Down that hole and back again
Rising up
And wiping the webs and the dew from my withered eye"

- Tool




"See, I think drugs have done some good things for us, I really
do, and if you don't believe drugs have done good things for us,
do me a favor. Go home tonight and take all your albums, all
your tapes, and all your CDs and burn 'em. Cause you know what?
The musicians who made all that great music that's enhanced
your lives throughout the years? Rrrrreal fuckin' high on
drugs.(...)"

"Today a young man on acid realized that all matter is merely
energy condensed into a slow vibration, that we are all one
consciousness, experiencing itself subjectively, there's no such
thing as death, life is only a dream, and we're the imagination
of ourselves. Here's Tom with the weather.(...)"

"It's not a war on drugs, it's a war on personal freedom, is
what it is, okay? Keep that in mind at all times. Thank
you."

- Bill Hicks


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Fullmoon Tango



A embriaguez é cruel. Mas a sobriedade é vulgar. Somos aristocratas do lixo. Então dancem, todos vocês. Sob a luz da lua, dancem os complicados passos da sensibilidade onírica. Somos toureiros acima de dançarinos. Dançamos com os touros nos velhos picadeiros. Nossa arma é a astúcia e o poder de manipular um animal grosseiro e mortífero. Quem será/o que será? Somos guerreiros temerários, sabemos do chifre, queremos a dor. Vencemos com os aplausos do povo - mas desejávamos ter perdido -. Então se contempla com desprezo a carcaça inerte do animal. E a superioridade total do mescalero muerto. Ele, que é o pária e o torero, é um ator trágico nele mesmo. Encenando sem mentira o espetáculo lúgubre de sua existência.

"Deus é um junkie autodestrutivo."


-

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Será o nada algo?




Muito estranho. Pensando na teoria mais aceita cegamente, opa, cientificamente de que o Big Bang é uma explosão de energia. Mas antes da existência existe algo, então. A energia. Ela que compôs ou compõe a tudo. Uma energia destrutiva claro. Se nada existia, esse próprio nada devia ter energia. Para destruir, impedir existência. Ou acabar com ela. Manter a energia pura. Mas explodiu. Engraçado, não? E deste lapso do Nada em si, criou-se tudo. Humildemente, progressivamente, e aí está! Como é distraído, pobre Nada. Tão doente. Será que ele acorda? Acho que sim. Sua energia está aí, manifestada principalmente em nós. Devido a nossos complicados mecanismos racionais de desconstrução e revelação. Sim, temos aí um pouco dessa energia destrutiva. Essa merda toda. Ela se faz presente no material? Sim, destruímos tudo com essa energia. Ela também faz isso, conosco. Através da nossa manifestação, ela volta revigorada. Nossa crença nesse ser feito de energia que tudo oblitera... Crença ou teoria filosófico-científica? Bem, ele se faz presente, não? De fato, seus manifestos de caos são evidentes. Mas não ascetize! Não cometa esta estupidez. Pense que isso é carne. É você.

"Eu sou o anjo do desespero.
Das minhas mãos distribuo a embriaguês,
a estupefacção, o esquecimento, gozo e
tormento dos corpos.
Meu discurso é o silêncio, meu canto o grito.
À sombra das minhas asas mora o terror.
Minha esperança é o último suspiro.
Minha esperança é a primeira batalha.
Eu sou a faca com que o morto arromba o seu caixão.
Eu sou aquele que será.
Meu descolar é a sublevação, meu céu o abismo de amanhã."

- Adolfo Luxúria Canibal


A Scanner Darkly

"What does a scanner see? Into the head? Into the heart? Does it see into me? Clearly? Or darkly?"
- Philip K. Dick



"Todos estamos sonhando - disse Arctor. Se o último a saber que é um viciado é um viciado, então talvez o último a saber que é um homem sincero no que diz é o próprio homem, refletiu ele. Ele se perguntou quanto lixo entreouvido por Donna fora dito à sério. Ele se perguntou quanto da insanidade do dia - a insanidade dele - tinha sido real ou só induzida pela situação, como uma espécie de loucura de contato. Donna era sempre um lixo da realidade para ele; para ela essa era a pergunta básica, natural. Ele queria poder responder."
A Scanner Darkly, 1977

Tumores do Sistema: alimentados pelos vícios do mesmo

"You can't understand a user's mind
But try, with your books and degrees
If you let yourself go and opened your mind
I'll bet you'd be doing like me
And it ain't so bad..."


Século XXI, proto-pós-pós-modernismo: a volta ao escambo!
Contra todo este emblemático sistema capitalista, há uma revolta no submundo. Junkies negociando, sem nenhum dinheiro. Sem institucionalização. Eles, drogados, com suas parafernalhas penduradas nos pescoços, fumando, barganhando por outro produto. Sem transação financeira. Matéria por matéria e o papel era seda. São os junkies, destruindo o sistema. Sua própria base. Primitivizando a civilização nos cortiços e esquinas mijadas de todas as cidades. Nos becos, pubs e boites é fácil roubar e ser roubado. Mas não no estado de natureza: Indígenas pelados, aborígenes selvagens, crioulos escuros, bárbaros incultos, pagãos burros. Praticando escambo e cavando a sepultura: daquele que é e foi o ápice do sistema financeiro! O tráfico. Sssssementes do caos.

"Nothing better than a dealer who's high
Be high, convince them to buy..."


Esse é nosso futuro/presente cyberpunk, baby! Tenham em mente que algumas corporações te querem doidão. Toda droga que é vendida, legal ou ilegalmente fortalece um punhado de pessoas físicas e jurídicas já bem poderosas. Então antes de clamar o uso de drogas como uma revolução, lembre-se de que cada dose, cada fumo, cada cartela que você compra está aí beneficiando traficantes, mas não só eles. Traficantes que não só traficantes. Grandes empresas manipulam indiretamente toda droga que você, junkhead, já consumiu e vai consumir. Nada escapa! Nada é metafísico, tudo é corruptível e apodrece. Basta que eles não percam o controle e deixem tudo descambar pro escambo! O que acontece, concomitantemente o sistema Corporativo Republicano Capitalista Neo-Liberal Social Democrático de Direito. Pequenas esquinas, grandes negócios.

"... Seems so sick to the hypocrite norm
Running their boring drills
But we are an elite race of our own
The stoners, junkies, and freaks
Are you happy? I am, man."

- Alice In Chains


Sohn des Loki

"Ale you brewed, Ægir, and you will never again hold a feast;
all your possessions which are here inside—
may flame play over them,
and may your back be burnt!"
-Loki



Fogo, enganação, transmutação. Dual, ardiloso, cruel, inimigo. Sócio. Fornecedor. Condenado pelos Æsir a uma eternidade de dor até o Ragnarök. Por sua desobediência e hostilidade contra Thor e outros Deuses, o filho de gigantes foi condenado ao seu "inferno" particular. Casado com Sygin, um de seus filhos se tornou um lobo, que predou e estripou o irmão. Com as entranhas deste, Loki foi amarrado a uma pedra. Uma serpente venenosa colocada sobre sua cabeça, de forma que quando sua boca, sempre aberta, viesse a destilar o veneno, este caísse diretamente sobre o corpo nu de Loki. Sua esposa o assistia em seu sofrimento. Segurando um jarro, ela coletava o máximo de veneno que podia enquanto pingava das presas da serpente. Mas ela tinha de descarregar o veneno. Não poderia deixar o jarro transbordar sobre seu amado marido. Então, dolorosamente, ela se obrigava a abandonar Loki à mercê da cruel serpente enquanto derramava, resoluta, o conteúdo ácido do jarro. Nestes momentos, Loki bradava violentamente enquanto o implacável veneno queimava seu rosto, seus olhos, sua boca, seu corpo. Ele execrava, condenava, blasfemava, vazia juras de destruição sem fim aos Æsir, aos seus criadores, seus filhos, suas esposas, Asgard, Valhalla, Hel, o Universo. Assim nasciam Terremotos da Ira de Loki. Sygin, aos prantos, voltava correndo para fazer seu serviço eterno. Sempre a acompanhar e compartilhar a angústia do amado. Ele teria sua vingança. O Rheingold anunciaria sua revolta. E no Ragnarök... tudo queimará.

"una Infinitas
Abominatio Nascitur Autumno
hic est tuum temptamen quod temptat tua potentia
viginti tres gradus ad summam potestatem"

"Uma Infinidade

O Horror Nasce no o Outono
Este é teu julgamento, que avalia teu poder
Vinte e três passos para total poder"
- Tool (?)



Decálogo, 8º mandamento

Ela roubou uma sepultura
violou o sacro sono
de um imperador, operário qualquer.
mas não era qualquer.
era uma
pequena
sepultura
com um patético coração
incrustrado de maneira infantil -
inútil.
era uma miúda carcaça
quase indistinguível da podridão
de um bebê.
uma criatura, a criança humana
que nunca conheceu a vida.
um sonho interrompido
um feto interrompido
um assassinato ante a vida
e este bebê morto
roubado cruelmente de seu descanso
encontra-se no roído berço decorado
pateticamente
no quarto sujo de um junkie
junto à sua mãe, que nunca foi sua mãe.
uma mulher tão morta
quanto seu filho abortado.

"Não roubarás."

"Undead, undead, undead..."
- Bauhaus

"Delírio de Barris"

Feito um doidão ouvindo óperas de Wagner alto pra caralho às 4 da manhã com um cinzeiro imundo transbordando, lixo pra todos os lados, cinzas de cigarro, latas de cerveja, lendo uma novela psicótica de Philip K. Dick com roupas de sair. Manchas de tártaro e catarro por aqui e por ali. dezenas de livros perdidos no caos pós-apocalíptico de um quarto fedorento sempre com as cortinas fechadas e uma pequena fresta na janela para que a fumaça saia um pouco. só um pouco. um gato preto dormindo, caixas e papéis mijados pelos animais e objetos inestimáveis espalhados pelo chão se misturando ao lixo indiferente. As paredes com a tinta falhada e gasta, às vezes arrancada, pelos pôsteres de bandas que nem se ouve mais e uma arma em réplica pendurada junto a eles, estrategicamente inclinada e apontada para a cabeça de quem ousar dormir nesta cama suja e manchada e bagunçada. somente alguns insetos ousam desbravar as vastidões do desperdício humano. somente os bravos demais para serem insetos. veneno na gaveta e a piteira na boca. procrastinando estudos, trabalhos, leituras, prazos, promessas. Curtindo o Rheingold wagneriano e pensando, dentro de si, enquanto carrega o cinzeiro a cair bitucas da poltrona ao computador e vice versa, ponderando e especulando a seguinte questão: como as coisas chegaram a este ponto?

"You musta' been high"
- Tool


terça-feira, 1 de setembro de 2009

2019 - Uma crônica extra temporal

"As mentiras dos poetas estão gastas
Pelos horrores do século"
- Adolfo Luxúria Canibal

Curitiba, 9 de setembro de 2019.


PREFEITO DE CURITIBA É CONDENADO À MORTE POR CORRUPÇÃO, TRÁFICO DE DROGAS E DESTRUIÇÃO DA SOCIEDADE


"Ontem, sexta-feira, 8, o até então prefeito de Curitiba (mors obliterata) foi sentenciado à morte por eletricidade pelos seus crimes contra a humanidade. A sentença foi outorgada pelo Supremo Tribunal em decisão unânime num histórico processo de repercussão internacional que decidiu por executar o réu com um método de tortura e morte já extinto devido a sua crueldade medievalesca: a cadeira elétrica. O cínico ex-prefeito, que sequer contratou um advogado, não quis apelar contra a sentença, mas fez fazer um discurso público aterrorizante transmitido em rede nacional pelas maiores emissoras do país. A seguir se encontra, palavra por palavra, uma das mensagens públicas mais perversas da história da comunicação:


'É com retumbante alegria que aceito minha sentença. Meu deturpado plano foi e é um grande sucesso. Fico francamente admirado e orgulhoso ao constatar que nestes poucos anos em que governei o município de Curitiba consegui acabar com a sebosa falácia que sempre foi esta infinidade de alcunhas falidas associadas ao nome desta cidade. Me dá grande satisfação ler nos mais destacados jornais do Brasil e do mundo o novo apelido de nossa cidade: "O Câncer da América" (como se fosse limitado a ela). Mas quero pronunciar abertamente, aos que não perceberam, que apesar de meus grandiosos feitos, eu fui somente o agente! Não se adiantem com seus rabos empinados dizendo que estou repassando a responsabilidade de minha administração, me arrependendo por isso, sendo covarde o suficiente para passar a culpa! Fui, voluntariamente, o agente da obliteração sempre presente como muitos outros como genes patológicos e oncológicos no pútrido tecido da sociedade! Sou fruto de toda angústia, do desespero, da louca sede por destruição que é inerente e imanente a todo espírito notável que já andou sobre a Terra! Estes espíritos, meus rivais e irmãos filhos de Loki, são uma aristocracia - não de sangue nem de classe - mas de armas! Você que ouve este discurso agora e sabe do que estou falando, abra mão de sua raiva hipócrita: ela não é real e sabe disso! Dê liberdade, neste solene momento de crise, àquilo que provém legitimamente de seu ego constantemente oprimido pelas ilusões e mentiras que viciam a atmosfera! Aproveite o caos em que vive agora e dê vazão à sua ilustre vontade. Armas em mãos, todas elas! Desde sua pistola ilegalmente adquirida até seus punhos treinados. Se for junkie, seu isqueiro, agulha ou garrafa! Mas não fique aprisionado. Não se reduza ao vácuo da embriaguez entre as paredes de seu quarto sujo! Espalhe a destruição, dissemine a discórdia, não esconda seus olhos vidrados! Não finja sobriedade, profira aos sete ventos que está sob a influência da Insanidade e a possui para distribuir. Destile o ódio de seu pulso firme e descarregue-o com selvageria! As patéticas construções carcerárias da sociedade são ruínas inertes, elas não podem restringir sua humanidade, sua bestialidade! Estupre as convenções sem pudores, enterre com sadismo seu punhal fálico no imundo e devasso ânus da civilização. Se és lobo, reúna-se com sua alcatéia e saia para caçar. Se é abutre, paire com seus semelhantes arrogantes sobre as carcaças e presas indefesas! Se é um réptil sutil e rastejante, dá o bote e ejacula a peçonha! Se é inseto, aproveita! Eles estão fracos. Usurpa o sangue e infecta a carne! Teu veneno também é o meu. Eu sou o agente nefasto de seus desejos reprimidos. O desejo pela violência, a auto destruíção moderada pelo costume. Em meus inescrupulosos pactos com poderosos distribuidores internacionais de narcóticos, facilitei a vocês, meu povo, o acesso ao seu éden particular - o único possível -. Baixei os presos. Tornei os traficantes amigáveis. Os cafetões confiantes. Comprei as almas dos mais poderosos delegados alimentando nosso acordo com os restos mortais de suas ilusões éticas mais sagradas! Mostrei ao homem da lei sua impotência. Lhe mostrei que seu único poder está num pedaço frio e sedento feito de aço e chumbo localizado estrategicamente na cintura. Mostrei ao criminoso que é tão desprezível quanto o antagonista. Seu único poder reside na sua ousadia. Mostrei ao comerciante, ao jurista, ao médico, ao professor; enfim, ao trabalhador honesto e medíocre que toda sua vida não o pertencia. Mostrei a vocês todos as poucas e horrendas verdades da existência objetiva. A indiferença concreta de nossos monumentos históricos ao presenciarem o sangue correndo pelas fodidas calçadas de petit pavet. Nossos postes corroídos, inabaláveis obeliscos em meio à fumaça. Os ziguráticos esgotos arrotando o odor insuportável das massas nas periferias suburbanas da metrópole! A chuva ácida e gelada maculando a pele pálida do pedestre resoluto no cotidiano podre de cidadão exemplar. A hipócrita ecologia dos ativistas tornou-se apática quando vislumbrou sua própria impotência. 'Retarde o envenenamento. Morra lentamente' não é mais a moral falsa que infecta as mentes débeis da população burra. Agora a destruição é legítima. O homem reconhece-se como realmente é. Um agente maldito. Na verdade, nem isto. Vazio, isento de qualquer valor. Preso e flagelado pelo arame farpado afiado mas frágil da ilusão social. Contribuí com a economia. Enchi seus bolsos. Os fiz gastar um pouco menos. Não é curioso como para de reclamar do decrépito sistema de saúde quando o miserável burro pode comprar um estimado produto no pesadelo do mercado corporativo? Não se condene, você gostou e você gosta. Aceita a soberania da vontade. A perversão é o circo diário das aberrações. Apliquei a maiêutica da patologia social e ajudei a surgir do casulo o temido sociopata juvenil. Detentos revoltosos eu inspirei, quando eles puderam identificar não só no condenado ao seu lado a motivação sórdida de uma mente criminosa, mas na mais elevada das esferas sociais. E minha corrupção não foi covarde e hesitante como a dos bolcheviques ricaços que escalaram a opinião pública vazia até o poder antes de mim. Inspirei outros mais semelhantes a mim. Outros poderosos de olhar fleumático. Os lobos que se fingem de cães pastores protetores do rebanho. Cão/lobo. Mesma coisa. Um é domesticado e mais covarde, mas a natureza é a mesma: o instinto animalesco. A auto consciência mórbida que leva ao banquete brutal e suicida. Aceito por fim meu destino com muito orgulho. Devo ressaltar que admiro muito o método de minha execução. 6 minutos de Inferno na terra - também o único possível -, fritarei como um animal sujo. Um cancro amputado do já irreversivelmente contaminado tecido. Já sabem que não sou o único, existem tumores até mesmo mais vorazes, mas ainda esperam enganar. Enganar um pouco, ao menos. Conseguirão, por pouco tempo. A reação é em cadeia e logo surgirão os outros. Por que não você? Basta que não tenha medo de encontrar um destino como o meu. Minha execução é o exemplo perfeito da natureza brutal e sádica que pertence a toda uma espécie. Contradições demais, sim, mas a verdade surge em momentos como esse. O ódio prevalece. Ele queima como o combustível cáustico de toda ação humana legítima. Os frutos infinitos de meus atos não estão limitados à metrópole que governei ou a qualquer barreira geográfica. Minha revolução foi universal. Meu suicídio, um genocídio. Me despeço de vocês para cair na inexistência. Conquistei a imortalidade marcando com uma brasa quente a minha mácula no imaginário desta geração e das próximas. Serei, livre de ascetismos, um deus morto.'

As calamidades deste homem não foram redutíveis a um ato programático de destruição. Seu profético legado é um longo cortejo de decadência que nos expõe amargamente o inevitável futuro de nossa civilização: o nada."


O nome do réu em questão foi omitido para manter coerente e inevitável o curso do tempo humano numa perspectiva cronológica subjugada ao mecanicismo do Tempo (fora do tempo).

"This is the end. My only friend: the end."
-
Jim Morrison