segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Vigário

"Cause I need to watch things die from a distance
Vicariously I live while the whole world dies
You all need it too, don't lie"

- Tool



Em minha torre de pedra observo tudo. O espetáculo babélico da ordem primal. Meus olhos torpes são órgãos copuladores, causam espasmos lúbricos quando estimulados pelo cenário lúgubre do matadouro. A crueza da carne, exposta e mutilada, ejaculando sangue e merda, as massas viscerais disformes pulsando ao som do desespero, ecos abissais da dor. O pus blenorrágico escorre sobre a pele alva e lasciva da vítima. O som de um disparo, a certeza de um cadáver, o triturar lento dos ossos, o licor emético da podridão, o sangue que escorre de maneira indulgente, maculando o mundo em seu vício de se espalhar, fluindo e criando o oceano vermelho que inunda esta terra santa abandonada. O prazer crapuloso do voyeur que assiste e aprende, gosta e goza com o êxtase maldito da tragédia. Elixir sensorial e sensual que é a gênese de todo prazer. Delírios sádicos e intensões calamitosas permeiam meus desejos mais vorazes. Mas assisto pacientemente, espero, me regojizo na queda eminente de toda essa raça. Admiro a aptidão do assassino e sua astúcia letal, o poder destrutivo do fogo e do aço, a opressão despótica sobre a presa e o controle soberano e edílico sobre a vida. A insanidade caótica e cínica do psicopata é digna de sua canonização na catedral da dor. A exatidão cartesiana nos designios de um torturador celerado e cruel e a precisão fria do executor são os atributos que constituem os valores nos códigos do desregramento a que são fiéis nossos grandiosos vilões. Campeões celerados e pérfidos que são protagonistas das fábulas mais fascinantes que os homens ingênuos temem, mas desejam. Não há um véu de aparências, a verdade é exposta como um cadáver eviscerado. A hecatombe humana é uma apresentação sem fim, mas nunca é desinteressante mesmo para aqueles cujos gostos são os mais refinados e implacáveis. Reduzo minhas presas a seu sucubato servil. O furor do vício eclesiástico e devasso estimula a cólera lúbrica dos meus golpes imperiosos. A deliciosa volúpia do assassinato é uma maquinação constante na fábrica de atrocidades que é o cérebro entorpecido do criminoso santificado. O fiel sempre observará com deleite o perpétuo desfile de monstruosidades e criaturas oniródinas em sua ruína mais imunda, o membro fantasma de aberrações mutiladas acaricia o ventre alvo e puro da virgem desecrada. Sou o vigário, mestre da masmorra e observador rapineiro. Meu cárcere é o obelisco de rocha e metal em que confabulo com languidez. O vício engendra a doença da alma. A náusea provocada pelo miasma fétido da podridão humana inflama o ódio e desafia a sanidade. Deve-se abraçar todos estes prazeres atrozes com ávida determinação, pois o crime é por demais grandioso para ser simplesmente admirado. Uma gargalhada doentia anuncia o despertar do algoz. Torrentes rubras escoarão pelas vias de pedra ao comando do tirano. Que a carnificina comece.


"Pois, diga-se de passagem, embora o crime não possua o tipo de delicadeza encontrado na virtude, não é ele sempre mais sublime? Não tem um carater constante de grandeza e sublimidade que prevalece e sempre prevalecerá sobre os encantos monótonos da virtude? Quereis falar-nos da utilidade de um ou de outra? Será que nos cabe sondar as leis da natureza, ou decidir se, sendo-lhe o vício tão necessário como a virtude, ela talvez nos inspire de modo igual um pendor para um ou para outra, em razão de suas necessidades próprias?"
- Marquês de Sade

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