segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O Verão do Amor e o Outono de Destroços

15 a 18 de agosto de 1969 - 17 de agosto de 2009 (40 anos de Woodstock)


A geração do amor. Hippies, ácido, rock, liberdade. Há 40 anos o festival de música Woodstock, planejado para ser um show com os mais notórios músicos de rock n' roll ativos na época, se tornou uma manifestação social e ontológica. Os Estados Unidos não poderiam ser um cenário melhor para a gênese dessa contracultura no hoje sagrado local, a "Haight-Ashbury" de San Francisco, Califórnia. Foi este movimento o pioneiro em mostrar a podridão do sonho americano no século XX? A terra da oportunidade já não brilhava tanto há mais de uma década quando o Woodstock aconteceu. A Beat Generation: um punhado de vagabundos iluminados, loucos, drogados, sociopatas, jovens e intelectuais. Estas poucas mentes, ao se reunirem sob um estandarte invisível de originalidade em meio ao ambiente gorduroso, hipócrita e ilusório do esplendor que era o american way of life. Como todo bom arcano, estes homens destemidos tomaram a solução profana e venenosa da verdade para nos expôr em retalhos a realidade que não mais se podia fragmentar. O mórbido espectro de homens trabalhadores, de família, empreendedores, sempre sorridentes, sempre cômodos, aceitando a realidade como um establishment resoluto! Estes amaldiçoados beatniks vislumbraram a quebra das ilusões entorpecentes que atingiam o limite da meia-vida tóxica nas mentes da população e relataram com frieza a vivissecção da sociedade americana. Suas palavras não se espalharam muito em sua época, mas os sábios da realidade plantaram sua semente de revolta no imaginário de sua geração. A semente que dizia: resista! O cárcere institucional em que estes sempre foram cativos não mais os prendia, porque não existia. A porta está aberta, as algemas soltas. Você arriscará a liberdade?

A TENTAÇÃO - Follow the white rabbit

A música evoluia de maneira anômala. Experimentações sonoras radicais, quebra de tabus, transvaloração dos valores artístico-comerciais. Tudo provendo do profundo poço imaginativo de mentes rebeldes talentosas auxiliadas pelo manjar lisérgico. Uma explosão de drogas, naturais, sintéticas, de qualquer tipo. A meta é a liberdade e o caminho é a loucura. Padrões, cores, ritmos, luzes, a euforia viajava do tresloucado músico em transe como um xamã e chegava nos ouvidos, no espírito do inocente e curioso ouvinte. O reconhecimento de um hino da contracultura: o rock, definitivamente.

A euforia crescia e a paixão era natural. Sonhos agora tinham sua vez. A liberdade estava lá, bastava agarrar. Movimentos sociais não exatamente relacionados com o Flower Power, mas compartilhando de seu rentimento revoltoso surgiram em outras partes do país e do mundo. Movimentos estudantis, feministas, étnicos, sexuais, políticos. Todos os oprimidos sob o estandarte da moral de rebanho viam agora sua chance e assim acreditaram-se iguais o suficente para o engajamento social. As drogas não ficaram de fora disso. Associando linhas de pensamento esotéricas oriundas do Oriente, ciência especulativa e muitos delírios, o Papa do LSD, Timothy Leary declarou haver um legítimo caminho para a liberdade individual. Os interesses que manipulavam a guerra em ocorrência vieram à tona e os rebeldes não a aceitavam. Houve a contemplação da máquina absurda de sofrimento que o progresso e a civilização causavam. Portanto, em suas delirantes mentes drogadas, houve uma revelação: o inimigo é o Estado, é o presidente, é o juiz, é o policial. É o opressor. It's the man. Stick it into the man! Assim se deu a genealogia do novo ideal ascético dessa geração de revolta: a liberdade pura. A fé no bem que outras pessoas merecem e
podem dar. Coletividade e harmonia seriam as chaves para a vitória, era a vez do oprimido novamente. Este sonho infectou de maneira considerável o cérebro do homem moderno. Como se as drogas houvessem causado uma mutação genética na maneira de pensar de todo homem que se considerava bom. A preocupação exacerbada com cada coisa viva. Ativismo ambiental, atividades sociais e a tentativa de uma divinização ocidental de toda forma viva.

O ÊXTASE - Feed your head

Mas essa é a nossa natureza? A fé no ideal de Rousseau em seu bom selvagem pacífico voltava com grande força. Eis aqui a essência do evento que comemora 40 anos. Estes foram os dias em que se colocou à prova o espírito do homem rebelde. A prova de fogo de seus ideais humanitários. "3 days of peace and music" foi o tagline do filme feito no evento e lançado posteriormente. Desconsiderando as eventuais fatalidades e crimes, a premissa se provou verdadeira, certo? Não conseguimos viver em paz como uma iluminada comunidade por 3 dias? As pessoas esquecem que tudo isso importa. Não, eles não provaram a força do seu sonho. Eles participaram de uma euforia generalizada movida a sonho e éter. As fatalidades devem ser desconsideradas? Não. Elas são essenciais como evidência concreta do amoralismo do homem em um estado (mais) natural. Mortes ocorreram. Não foram acidentais. Abortos, abandonos, exploração, tráfico, oportunismo. Esta é sua verdadeira contribuição. O individualismo gerado por este momento altruísta e libertário conseguiu de fato alcançar um certo nível de liberdade pessoal. Mas não era a liberdade que os foi prometida na religião hindu ou a sussurrada por Jimi Hendrix em sua neblina purpúrea. É a liberdade ontológica do egoísmo plenamente assumido. Vamos checar a lista de conquistas?
  1. A quebra de paradigmas sociais - Confere
  2. Engajamento de minorias sociais - Confere
  3. Resgate de valores humanitários populares - Confere
  4. Harmonia e liberdade - Liberdade sim, harmonia não.

    A QUEDA - This is the end
O fruto mais duradouro da revolução cultural sessentista é em si o individualismo. Na busca pela iluminação pessoal, a geração chapada acabou por explorar a cosmogonia do sujeito e do social. Aí que se manifestou o perigo. O Niilismo bate à porta novamente. O hóspede indesejado! Ele entra calmamente, invade a festa, transforma a embriaguez em ressaca, estupra as mulheres, vicia os bebês, e ri com sadismo quando mostra ao homem que a causa de sua ruína é ele mesmo. Apesar da analogia, este não é um ente exterior. O niilismo nos é inerente. Aí ele se fez presente mais uma vez ao destruir os sonhos de uma nova geração lhe mostrando com crueza a realidade. O efeito do éter passou, chegou a hora de enfrentar a ressaca, jovem hippie. Então ele contempla o mundo e todas suas construções sociais ruindo. Ele só tem uma coisa: sua vida. Ele está sozinho no mundo. The dream is over. Mas não havia somente este tipo de rebelde. Sempre existem os anti-heróis sujos que zombam dos revolucionários. Já em suas primeiras obras, Frank Zappa ridiculariza o hippie drogado com flores na cabeça e em New York, o grupo The Fugs reduz tudo ao nada com cinismo ácido. O jovem idealista agora é o jovem desiludido, viciado, angustiado e extremamente individualista. De 67 a 69 houve a ascenção da geração rebelde oriunda de Haight-Ashbury, passando pela ressaca de 68 e sepultada em 69 após o Woodstock. Pode-se dizer que comemoramos o aniversário de morte do movimento, não somente a data de um festival.



O LEGADO - Monday: nothing, Tuesday: nothing...

Como os ecos deste grito nos afetam? Como já exposto, ela mostrou ao homem a cruel estrutura insólita de uma utopia eufórica. Alguns destes débeis sonhos persistem até hoje como um gemido desesperado que ainda ecoa no vácuo, paradoxalmente. O auto-engano de um progresso social, a nauseante comoção ambiental e animal e a esclerosada esperança numa natureza boa e altruísta. Foi criado um novo tipo de homem, mas a organização predatória na sociedade humana continua a mesma: o rebanho entorpecido por seus ideais e as aves de rapina que continuam a tiranizá-las de maneira oportunista.

Hé sempre bad trip. Baudelaire já nos avisou que os Paraísos Artificiais não nos pertencem. A embriaguez é um estado sublime e tem seu preço. A ressaca não é nada senão justa, causal e moralmente neutra.

Como conclusão, os deixo com o trecho final do filme Fear and Loathing in Las Vegas (Medo e Delírio em Las vegas) baseado no livro homônimo, escrito por Hunter Thompson, sobrevivente do manifesto psicodélico e pai do jornalismo Gonzo.



"We are all wired into a survival trip now. No more of the speed that fueled that 60's. That was the fatal flaw in Tim Leary's trip. He crashed around America selling "consciousness expansion" without ever giving a thought to the grim meat-hook realities that were lying in wait for all the people who took him seriously... All those pathetically eager acid freaks who thought they could buy Peace and Understanding for three bucks a hit. But their loss and failure is ours too. What Leary took down with him was the central illusion of a whole life-style that he helped create... a generation of permanent cripples, failed seekers, who never understood the essential old-mystic fallacy of the Acid Culture: the desperate assumption that somebody... or at least some force - is tending the light at the end of the tunnel. "

"Estamos todos ligados numa viagem de sobrevivência agora. Sem aquela velocidade que aqueceu os anos 60. Esta foi a falha fatal na viagem de Tim Leary. Ele se desbancou pela américa vendendo 'expansão da consciência' sem mesmo pensar nos tipos de criaturas medonhas que estavam esperando por todas aquelas pessoas que o levaram a sério... Todos aqueles patéticos e ansiosos fritos de ácido que pensaram que poderiam comprar Paz e Entendimento a três dólares a dose. Mas sua perda e fracasso são nossos, também. O que Leary levou pro buraco consigo foi a ilusão central de todo o estilo de vida que ele ajudou a criar... uma geração de aleijados permanentes, exploradores fracassados, que nunca entenderam a essencial velha falácia mística da Cultura do Ácido: a presunção desesperada de que alguém – ou ao menos alguma força, está cuidando da luz no fim do túnel.”

- Hunter Thompson



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